O Grande Amor-Benevolente

O Bodhisattva Kashyapa disse ao Buda: “Oh Honrado pelo Mundo! É assim, é assim! É exatamente como você, o Sagrado, diz. O que se obtém no mundo de Todos os Budas-Tathagatas não está ao alcance de Sravakas e Pratyekabudas. Oh Honrado pelo Mundo! Um Bodhisattva reside no Mahayana Mahaparinirvana e obtém um coração de amor-benevolente. Isto é um grande coração de amor-benevolente e compaixão ou não?”

O Buda disse: “É! Oh bom homem! O Bodhisattva vê três coisas na medida em que vive com todos os seres, quais sejam: 1) pessoas de relações íntimas [com ele], 2) pessoas de relações indesejáveis, e 3) pessoas que estão entre esses extremos. Com aqueles das relações íntimas, existem três classificações, que são: 1) alta, 2) média, e 3) baixa. O mesmo acontecendo com aqueles envolvendo relações indesejáveis. Esse Bodhisattva-Mahasattva dá a mais elevada consideração àqueles com os quais ele mantém as mais íntimas relações. Ele igualmente dá a mais alta consideração àqueles de médio e baixo grau (de intimidade). Ele dá algum grau de consideração àqueles que ele mais odeia, e para uma pessoa cujo ódio é de grau médio ele dá uma consideração de médio grau, e a quem cujo ódio é de baixo grau, ele dá a mais alta consideração. O Bodhisattva praticando assim, evolui de um grau para outro e (passa a dar) a alguém que ele mais odeia um médio-grau de consideração; e àqueles a quem ele odeia num nível tolerável e num nível menor, ele dá a mais alta consideração. Ele (segue) praticando e (passa) a dar a mais alta consideração igualmente àqueles de alto, médio e baixo grau. Quando a mais alta consideração é dada a alguém a quem ele mais odeia, dizemos que o coração de amor-benevolente foi realizado. O Bodhisattva, então, seja na presença dos seus pais ou daqueles a quem ele mais odeia, tem uma mesma mente, e não existe um estado mental de discriminação. Oh bom homem! Obtêm-se o amor-benevolente, mas isto não é chamado grande amor-benevolente.”

(O Bodhisattva Kashyapa disse: ) “Oh Honrado pelo Mundo! Por que é que o Bodhisattva encontra esse amor-benevolente e ainda não podemos chamá-lo de grande amor-benevolente?”

(O Buda disse: ) “Oh bom homem! Não chamamos amor-benevolente de grande amor-benevolente por que este [o grande amor benevolente] é difícil de obter. Por que á assim? Durante um longo tempo passado, através de inumeráveis kalpas, acumularam-se as ‘asvaras’ [impurezas, ilusões] e não se praticou o bem. Por essa razão, uma pessoa é incapaz de dominar a mente num dia. Oh bom homem! Quando uma ervilha está seca, pode-se tentar transpassá-la com um estilete, mas não se consegue. É como isto. As ‘asvaras’ são tão duras quanto aquilo (a ervilha seca). Mesmo que se tente obstinadamente ao longo de um dia e de uma noite inteira, não se pode dominá-las (subjugá-las). Também, o cão de uma casa não teme as pessoas, e o cervo da floresta teme o homem e foge. É difícil acabar com a ira, assim como com o cão que guarda uma casa. Portanto, é difícil subjugar essa mente. Este é o porquê não dizemos ‘grande amor-benevolente’.

Também, além disso, oh bom homem! Quando desenhamos uma figura numa pedra, ela sempre permanecerá ali. Mas se a desenharmos na água, ela desaparecerá imediatamente e o seu vigor não permanecerá lá. É tão difícil acabar com a ira, quanto com um desenho que foi feito na pedra. Uma boa ação facilmente desaparece, como uma figura desenhada na água. Este é o porquê não é fácil dominar essa mente. Uma grande bola de fogo provê luz por um longo tempo; o brilho do flash de um relâmpago não pode durar muito. O mesmo é o caso aqui. A ira é uma bola de fogo; o amor-benevolente é como um relâmpago. Este é o porquê essa mente é difícil de ser dominada. Por essa razão, não dizemos ‘grande amor-benevolente’.

Oh bom homem! Quando um Bodhisattva-Mahasattva atinge o primeiro patamar [‘byhumi’ – nível superior do Bodhisattva], isto é chamado ‘grande amor-benevolente’. Por quê? Oh bom homem! A última das pessoas más é o icchantika. Quando um Bodhisattva do primeiro ‘bhumi’ pratica grande amor-benevolente, nenhuma discriminação existe na sua mente – nem mesmo com relação ao icchantika. Como nada que é errado é visto, a ira não surge. Por esta razão, chamamos isso verdadeiramente de ‘grande amor-benevolente’. Oh bom homem! Ele despoja todos os seres daquilo que não os beneficia. Isto é grande amor-benevolente. Ele deseja dar uma imensurável quantidade de benefícios e felicidade a todos os seres. Isto é grande compaixão. Ele implanta a alegria na mente de todos os seres. Isto é grande intenção-amável (alegria-simpática). Não há guarda ou proteção. Isto é grande equanimidade [‘upeksha’]. Meu Dharma não vê a existência própria ou o eu de quem quer que seja; nele, todos os seres são vistos igualmente e sem mente dividida. Isto é grande equanimidade. Abandona-se a própria felicidade e se a dá para outros. Isto é grande equanimidade [ou grande renúncia].

Oh bom homem! A única coisa que existe aqui é que essas quatro mentes ilimitadas podem permitir ao Bodhisattva crescer e realizar os seis paramitas. As coisas não são necessariamente assim com relação às ações dos outros. Oh bom homem! O Bodhisattva-Mahasattva primeiro ganha as quatro mentes ilimitadas que pertencem ao mundo. Mais tarde, ele aspira ao insuperável Bodhichitta [decisão pela Iluminação]. E por degraus ele ganha aquilo que concerne ao mundo supramundano. Oh bom homem! A partir da finitude do mundo secular, obtêm-se infinitude do mundo supramundano. Portanto, dizemos ‘grande infinitude’.”

Excerto do Sutra do Nirvana, CAP. 21 – Sobre Ações Puras 1.

Avatar de muccamargo

Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

Deixe um comentário