As Filhas de Mara

O Buda nunca se moveu. Ele permaneceu sob a árvore, com suas pernas cruzadas. Estava repleto de bem-aventurança ao ter alcançado a perfeita sabedoria. Ele pensou: “Eu encontrei a libertação”. Por sete dias, ele permaneceu sob a árvore da sabedoria, sem mover-se.

Na segunda semana, ele empreendeu uma longa jornada; ele viajou por todos os mundos.

Na terceira semana, ele novamente permaneceu sob a árvore da sabedoria, e nunca piscou os olhos.

Na quarta semana, ele empreendeu uma viagem curta, do mar do leste ao mar do oeste.

Foi então que Mara, cuja derrota o havia deixado inconsolável, foi ao Buda e falou essas más palavras:

“Bem-Aventurado, por que você permanece, você que conhece o caminho para a libertação? Apague a lâmpada, extingua a chama; entre no Nirvana, oh Bem-Aventurado; chegou a hora.”

Mas o Bem-Aventurado respondeu:

“Não, Mara, Eu não extinguirei a chama, Eu não entrarei no Nirvana. Devo primeiro conquistar muitos discípulos, e eles, por sua vez, devem ganhar outros sob a minha lei. Através da palavra e através da ação Eu devo silenciar meus adversários. Não, Mara, Eu não entrarei no Nirvana até que o Buda seja glorificado em todo o mundo, até que sua lei benéfica seja reconhecida.”

Mara o deixou. Ficou cabisbaixo, e parecia ouvir vozes divinas zombando dele.

“Você foi derrotado, Mara”, estavam dizendo, “e você permanece envolto em pensamento, como uma velha garça-real. Você é impotente, Mara, como um velho elefante atolado num pântano. Pensou que era um herói, e está mais fraco que um homem doente abandonado na floresta. De que adiantaram suas palavras insolentes? Elas foram tão fúteis quanto o murmúrio dos corvos.”

Ele pegou um pedaço de madeira morta, e começou a desenhar figuras na areia. Suas três filhas, Rati, Arati e Trishna, viram-lhe. Elas ficaram abatidas ao ver a sua aflição.

“Pai, por que você está tão melancólico?”, indagou Rati.

“Fui derrotado por um homem santo”, respondeu Mara. “Ele é prova contra a minha força e a minha astúcia”.

“Pai”, disse Trishna, “nós somos belas; temos modos sedutores”.

“Iremos a esse homem”, continuou Arati; “o prenderemos com os grilhões do amor, e o traremos para você, humilhado e acovardado.”

As Filhas de Mara
As três filhas de Mara: Rati, Arati e Trishna. Click na imagem para site de origem.

Elas foram ao Buda, e cantaram:

“Eis a primavera, amigo, a mais linda das estações. As árvores estão em floração; devemos estar felizes. Seus olhos são belos, brilham com uma luz adorável, e você carrega as marcas da onipresença. Olhe-nos: somos feitas para dar prazer e felicidade tanto aos humanos quanto aos Deuses. Levante e junte-se a nós, amigo; aproveite o máximo da sua juventude brilhante; afaste todos os pensamentos sérios da sua mente. Veja nossos cabelos, veja quão sedosos são; as flores emprestam a sua fragrância para a sua sedosidade. Veja nossos olhos, nos quais repousa a doçura do amor. Veja nossos lábios calorosos, como a fruta amadurecida no sol. Veja nossos seios rijos e bem torneados. Deslizamos com a graça majestosa dos cisnes; sabemos canções que encantam e aprazem, e quando dançamos, os corações palpitam e os pulsos latejam. Venha, amigo, não nos despreze; somente um tolo, de fato, jogaria fora um tesouro. Olhe-nos, prezado Senhor; somos suas escravas.”

Mas o Bem-Aventurado permaneceu imóvel ante a música. Ele franziu a testa para as jovens donzelas, e elas se transformaram em bruxas.

Em desespero, elas retornaram ao seu pai. “Pai”, gritou Rati, “veja o que ele fez com a nossa juventude e nossa beleza.”

“O amor nunca o ferirá”, disse Trishna, “ele foi capaz de resistir nossos encantos.”

“Oh”, suspirou Arati, “quão cruelmente ele nos puniu.”

“Pai”, implorou Trishna, “cure-nos desta horrível velhice.”

“Devolva-nos nossa juventude”, gritou Rati.

“Devolva-nos nossa beleza”, implorou Arati.

“Minhas pobres filhas”, respondeu Mara, “compadeço-me de vocês. Sim, ele derrotou o amor; ele está para além do meu poder, e estou triste. Vocês suplicam-me para devolver-lhes a juventude e a beleza, mas como eu poderia? Somente o Buda poderá desfazer o que o Buda fez. Voltem a ele; admitam que vocês foram culpadas; digam-lhe que estão arrependidas, e talvez ele devolva seus encantos.”

Elas imploraram ao Buda.

“Abençoado”, disseram, “perdoai nossas ofensas. Nossos olhos estavam cegos para a luz, e fomos tolas. Perdoai-nos!”

“Sim, vocês foram tolas”, respondeu o Bem-Aventurado; “vocês tentaram destruir uma montanha com suas unhas, vocês tentaram morder ferro com seus dentes. Mas vocês reconhecem a sua ofensa; o que já é um sinal de sabedoria. Oh donzelas, Eu perdôo-lhes.”

E as três filhas do Maligno deixaram a sua presença, mais belas do que antes.

A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].

Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm

Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

1 comentário

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