“Também, além disso, oh bom homem! As ações sagradas dos Bodhisattvas-Mahasattvas são o que eles fazem observando o corpo da cabeça aos pés, a saber: cabelos, unhas, dentes, impurezas, sujeiras, pele, carne, nervos, ossos, baço, rins, coração, pulmões, fígado, intestino e estômago, isto é, estômago e intestino delgado, fezes, urina, saliva, lágrimas, gordura, membrana, medula, pus, sangue, crânio, e todas as veias. Quando o Bodhisattva assim observa as coisas, quem pode ser o Eu, ou a quem pode o Eu dizer respeito? Onde ele vive e quem pode dizer respeito ao Eu? Também, ele pensa: ‘O osso é o Eu? Ou o Eu é tudo exceto o osso?’ O Bodhisattva então medita, e exclui a pele e a carne. O que ele vê é osso branco. Ele também pensa: ‘A cor do osso é variada: azul, amarelo, branco, cinza’. Assim, o que o osso mostra não é o ‘Eu’ (por não ser uno). Por que não? Porque o Eu não é azul, amarelo, branco ou cinza. Como o Bodhisattva medita assim, com a mente plena, ele está distante de todos os desejos por aquilo que é físico. Também, ele pensa: ‘Esse osso vem das relações causais. O osso dos pés suporta o osso do tornozelo, o osso do tornozelo suporta o osso da panturrilha, o osso da panturrilha suporta o osso do joelho, o osso do joelho suporta o osso da coxa, o osso da coxa suporta o osso da anca, o osso da anca suporta o osso do quadril, o osso do quadril suporta a coluna vertebral, o osso da coluna vertebral suporta os ossos das costelas. Também, a coluna vertebral suporta o osso da nuca; o osso da nuca suporta o osso da mandíbula; o osso da mandíbula suporta o canino e outros dentes. E acima daquilo existe o crânio. Também, o osso da nuca suporta a omoplata; o osso da omoplata suporta o osso do braço; o osso do braço suporta o osso do antebraço; o osso do antebraço suporta o osso do punho; o osso do punho suporta os ossos dos dedos. Quando um Bodhisattva-Mahasattva medita assim, todos os ossos do corpo se separam. Tendo meditado assim, o Bodhisattva erradica os três desejos: pela forma facial, pela forma corporal, e pelos pequenos toques.
Quando o Bodhisattva-Mahasattva medita assim sobre ossos azuis, ele vê a terra parecer toda azul ao leste, oeste, sul, norte, acima e abaixo, e nas quatro direções intermediárias. Assim como com a cor azul, o mesmo se passa com as meditações sobre as cores do amarelo, branco e cinza. Quando o Bodhisattva-Mahasattva medita assim, a sua testa emite a radiância (freqüência) das cores azul, amarelo, branco e cinza. O Bodhisattva vê em cada uma das luzes a forma do Buda. Tendo visto o Buda, ele indaga: ‘Algo assim como o meu corpo surge de uma combinação de impurezas. Como poderíamos sentar e ficar de pé, andar e parar, deitar e levantar, ver e piscar, ofegar e respirar, afligir-se e chorar, ser feliz e rir? Não há nada que governe o corpo. O que faz as coisas serem assim?’ Conforme ele pensa assim, todas as figuras do Buda desaparecem das luzes. Ele pensa também: ‘Ou a consciência pode ser meu Eu. É por isso que os Budas não falarão para mim’. Novamente, como ele medita sobre a consciência, ele vê aquelas coisas gradualmente desaparecerem, como no caso de uma água corrente. Assim, isso não é o Eu de alguém. Também, ele pensa: ‘Agora, essa respiração entrando-e-saindo de mim nada mais é do que a natureza do vento. A natureza do vento nada mais é do que os quatro grandes elementos. Qual dos quatro grandes elementos pode ser meu Eu? As naturezas da água, fogo, terra e vento, também, não são o meu Eu’. Também, ele pensa: ‘Neste meu corpo, não há nada que pudesse ser chamado Eu. Somente as relações causais do sopro do pensamento colocam as coisas juntas e existem várias funções e coisas. Por exemplo, isto é como no caso de encantos e truques (de magia), ou o som da harpa que vem seguindo o sopro do pensamento de alguém que a toca. Assim é este meu corpo impuro. Várias relações causais unem as coisas e assim vai. Pelo que poderíamos ter ganância? Se alguém tolera (atura) a maledicência, como poderia surgir ira? Parece que as 36 coisas [isto é, as 36 impurezas que um corpo humano possui] do meu corpo nada mais são que impureza e corrupção. Onde pode haver alguém que tenha que suportar maledicência? Quando falamos mal (de outros), podemos pensar: de quem é a voz que fala mal de mim? Essa voz não deve ser a única que fala mal de mim. Se uma pessoa não fala mal, o mesmo se aplica a muitas vozes. Por essa razão, não se deve ficar irado’. Quando outros vêm e nos batem, devemos pensar: ‘De onde vem esse espancamento?’ Também podemos pensar: ‘Quando as mãos, a espada ou o bastão entram em contato com o nosso corpo, dizemos que somos espancados. Como poderíamos enfurecer tanto os outros? Isto mostra que eu mesmo tenho provocado a ofensa por minha própria vontade. Isto vem do fato de que eu possuo este corpo dos cinco skandas (agregados). Isto é como no caso de um alvo que uma flecha pode atingir, e lá vem pancada. O mesmo é o caso com esse meu corpo. Como eu possuo um corpo, existe [a possibilidade de] um espancamento. Se eu não suportar, minha mente desintegrará. Se minha mente tornar-se dispersa, perderei meu pensamento correto. Se eu perder meu pensamento correto, posso não ser capaz de ver o que é bom e o que não é. Se eu não puder distinguir o bem e o mal numa coisa, farei maldade. A maldade feita levará aos reinos do inferno, da animalidade e dos espíritos famintos’.
Uma vez que o Bodhisattva-Mahasattva tenha feito essa meditação, ele atinge as quatro recordações. Como ele ganha as quatro recordações, ele agora pode viver no plano (patamar) da longanimidade (paciência) [‘bhumi’]. Como o Bodhisattva-Mahasattva atinge esse estado, ele sobrepuja a cobiça, a ira e a ignorância; também, ele é capaz de resistir ao frio, calor, fome, sede, mosquitos, moscas, pulgas, piolhos, tempestades, comidas impuras, doenças, pragas, maledicências, abusos, espancamentos e ferimentos com espinhos. Ele sobrepujará todas as dores e aflições do corpo. Este é o porquê dizemos que ele vive no plano da loganimidade (paciência).”
Excerto do Sutra do Nirvana, CAP. 19: Sobre Ações Sagradas 1.
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