
Ao entardecer o exército do Demônio havia fugido. Nada havia perturbado a meditação do herói e, na primeira vigília da noite, ele chegou ao conhecimento de tudo o que havia acontecido nas existências anteriores. Na segunda vigília, ele aprendeu o estado atual de todos os seres. Na terceira, ele compreendeu a cadeia de causas e efeitos.
Agora ele via claramente todas as criaturas nascendo continuamente e, seja de alta ou de baixa casta, no caminho da virtude ou da maldade, ele as viu passar através dos ciclos de existências, à mercê de suas ações. E o herói pensou:
“Quão miserável é este mundo que nasce, envelhece e morre; e então renasce apenas para envelhecer e morrer novamente! E os homens não sabem como escapar!”
E em profunda meditação, ele disse para si:
“Qual é a causa da velhice e da morte? Há velhice e morte porque há nascimento. A velhice e a morte são devidas ao nascimento. Qual é a causa do nascimento? Há nascimento porque há existência. O nascimento é devido à existência. Qual é a causa da existência? Há existência porque há laços (apego). A existência é devida aos laços. Qual é a causa dos laços? Há laços porque há desejo. Os laços são devidos ao desejo. Qual é a causa do desejo? Há desejo porque há sensação. O desejo é devido à sensação. Qual é a causa da sensação? Há sensação porque há contato. A sensação é devida ao contato. Qual é a causa do contato? Há contato porque há os seis sentidos. O contato é devido aos seis sentidos. Qual é a causa dos seis sentidos? Há os seis sentidos porque há nome e forma. Os seis sentidos são devidos ao nome e à forma. Qual é causa do nome e da forma? Há nome e forma porque há percepção. Nome e forma são devidos à percepção. Qual é a causa da percepção? Há percepção porque há impressão (imagem). A percepção é devida à impressão. Qual é a causa da impressão? Há impressão porque há ignorância. A impressão é devida à ignorância.”
E ele pensou:
“Assim, a ignorância está na raiz da morte, da velhice, do sofrimento, da aflição. Suprimir a ignorância é suprimir a impressão (imagem). Suprimir a impressão é suprimir a percepção. Suprimir a percepção é suprimir o nome e a forma. Suprimir o nome e a forma é suprimir os seis sentidos. Suprimir os seis sentidos é suprimir o contato. Suprimir o contato é suprimir a sensação. Suprimir a sensação é suprimir o desejo. Suprimir o desejo é suprimir os laços (apego). Suprimir os laços é suprimir a existência. Suprimir a existência é suprimir o nascimento. Suprimir o nascimento é suprimir a velhice e a morte. Existir é sofrer. O desejo conduz do nascimento ao renascimento, do sofrimento à mais sofrimento. Ao sufocar o desejo, impedimos o nascimento, impedimos o sofrimento. Ao levar uma vida de santidade, o desejo é sufocado, e deixamos de suportar nascimento e sofrimento.”
Quando a aurora surgiu, esse mais nobre dos humanos era um Buda. Ele exclamou:
“Tive inúmeros nascimentos. Em vão Eu procurei o construtor da casa. Oh, o tormento do renascimento perpétuo! Mas Eu o vi afinal, oh construtor da casa. Você já não constrói a casa. As vigas estão quebradas; as velhas paredes estão ruindo. A velha montanha desmorona; a mente atinge o Nirvana; o nascimento não é mais por desejo, não mais.”
A terra sacudiu doze vezes; o mundo ficou como uma grande flor. Os Deuses cantaram:
“Ele chegou, aquele que traz luz para o mundo; ele chegou, aquele que protege o mundo! Por longo tempo fechados, os olhos do mundo foram abertos, e olhos do mundo estão deslumbrados pela luz.
Oh conquistador, você concederá a todos os seres ‘aquilo que jamais tiveram antes’. Guiados pela sublime luz da lei, todas as criaturas alcançarão as margens da libertação. Você detém a lâmpada; vá agora e disperse a escuridão!”
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm