Os Expedientes de Indra

Ele finalmente chegou à uma montanha, encoberta por uma imensa floresta, e lá ele encontrou uma cabana que um eremita ocupou certa vez. De folhas, ele fez uma cama para si e sua família, e ali, enfim, imperturbado pelo remorso, ele encontrou descanso e paz. Todos os dias, Madri ia floresta adentro para colher frutos silvestres; era a única comida que tinham, e bebiam a água de uma fonte límpida e borbulhante, que eles haviam descoberto próximo à cabana. Durante sete meses, eles não viram ninguém; então, certo dia, um brâmane passou por lá. Madri estava longe, colhendo frutos, e Visvantara estava olhando as crianças enquanto brincavam na frente da cabana. O brâmane parou e observou-os cuidadosamente. “Amigo”, disse ele ao pai, “você me daria suas crianças”? Visvantara ficou tão surpreso que foi incapaz de responder. Ele olhou ansiosamente para o brâmane que, novamente, o questionou: “Sim, você me daria suas crianças? Eu tenho uma esposa, muito mais jovem do que eu. Antes de tudo, ela é uma mulher altiva. Está cansada de fazer as tarefas do lar, e pediu-me para encontrar duas crianças que pudessem ser seus escravos. Por que não me dá as suas? Você parece ser muito pobre; deve ser difícil para você alimentá-los. Em minha casa eles terão fartura de alimentos, e eu farei com que minha esposa os trate tão gentilmente quanto possível”. Visvantara pensou: “Que sacrifício doloroso estou sendo solicitado a fazer. O que farei? Apesar do que diz o brâmane, minhas crianças serão muito infelizes em sua casa; sua esposa é cruel, ela lhes baterá e lhes dará somente restos de comida. Mas, uma vez que ele tenha solicitado-me por elas, eu tenho o direito de recusar”? Ele pensou um pouco mais, e então finalmente disse: “Leve as crianças com você, brâmane; deixe-os ser escravos da sua esposa”. E Jalin e Krishnajina, com suas faces banhadas em lágrimas, foram embora com o brâmane. Madri, neste ínterim, tinha estado colhendo romãs, mas cada vez que ela arrancava uma da árvore, ela escapava das suas mãos. Isto amedrontou-lhe, e ela correu de volta para a cabana. Ela sentiu a falta dos filhos, e voltando-se para o marido, perguntou-lhe: “Onde estão as crianças”? Visvantara estava soluçando. “Onde estão as crianças”? Ainda nenhuma resposta. Ela repetiu a questão uma terceira vez: “Onde estão as crianças”? E acrescentou: “Responda, responda logo. Seu silêncio está me matando”. Visvantara falou, com uma voz triste, ele disse: “Um brâmane veio; ele queria as crianças para escravos”! “E você os deu a ele?”, gritou Madri. “Eu poderia recusar”? Madri desmaiou; ficou inconsciente por um longo tempo. Quando ela se recobrou, suas lamentações eram tristes. Ela clamava: “Oh, minhas crianças, vocês que me despertavam do meu sono à noite, vocês que me davam o melhor dos frutos que eu havia colhido, um homem mau os levou para longe! Posso vê-lo forçando-os a trabalhar, vocês que mal aprenderam a caminhar. Naquela casa, vocês passarão fome; serão brutalmente espancados. Vocês estarão trabalhando na casa de um estranho. Vocês furtivamente espreitarão as estradas, mas nem pai e nem mãe verão novamente. Seus lábios ressecarão; seus pés serão feridos pelas pedras cortantes; o sol queimará suas faces. Oh, minhas crianças, sempre fomos capazes de poupá-los das dificuldades que tivemos que enfrentar. Carregamos-lhes através do temeroso deserto; vocês não sofriam então, mas agora, quanto será o seu sofrimento”? Ela ainda estava chorando quando um outro brâmane chegou através da floresta. Era um homem velho e caminhava com grande dificuldade. Ele olhou para a princesa com os olhos lacrimejantes, e então dirigiu-se ao Príncipe Visvantara: “Meu senhor, como você vê, estou velho e fraco. Não há ninguém em casa para ajudar-me quando me levanto pela manhã ou quando vou dormir à noite; não tenhos filhos ou filhas para cuidar de mim. Ora, essa mulher é jovem; parece muito forte. Deixe-me levá-la como empregada. Ela me ajudará a levantar; e me colocará para dormir; e tomará conta de mim enquanto durmo. Dê-me essa mulher, meu senhor; você estará fazendo uma boa ação, uma ação sagrada, a qual será enaltecida por todo mundo”. Visvantara havia escutado atentamente; estava pensativo. Olhou para Madri, e disse: “Amada, você ouviu o que o brâmane disse; o que você responderia”? Ela respondeu: “Uma vez que você deu nossas crianças: Jalin, o mais amado, e a querida Krishnajina; então você pode dar-me a esse brâmane; não reclamarei”. Visvantara pegou as mãos de Madri e colocou-as nas mãos do brâmane. Ele não sentiu remorso; nem mesmo chorou. O brâmane recebeu a mulher; agradeceu ao príncipe e disse: “Você pode conhecer a grande glória, Visvantara; você pode tornar-se um Buda algum dia”! Ele começou a se afastar mas virou, de repente, e voltou para a cabana. E disse: “procurarei uma empregada em alguma outra terra; deixarei essa mulher aqui, para ficar com os Deuses da montanha, e as Divindades da floresta e da fonte; e, doravante, você não deve dá-la a mais ninguém”. Enquanto o velho homem estava falando, sua aparência gradualmente mudou; ele tornou-se muito belo; sua face era gloriosamente radiante. Visvantara e Madri reconheceram Indra. Eles caíram aos seus pés e adoraram-lhe; e o Deus disse-lhes: “Cada um de vocês pode pedir-me um favor, e será atendido”. Visvantara disse: “Oh, que eu possa tornar-me o Buda algum dia e trazer a libertação para aqueles que nascem e que morrem nas montanhas”! Indra respondeu: “Glória a você que, um dia, será o Buda”! Madri falou a seguir: “Meu senhor, atenda meu pedido: que o brâmane, a quem minhas crianças foram dadas, decida vendê-las ao invés de mantê-las em sua casa, e que ele encontre um comprador justamente em Jayatura, e que o comprador seja o próprio Sanjaya”. Indra respondeu: “Assim será!” Conforme ele ascendeu ao céu, Madri murmurou: “Oh, que o Rei Sanjaya perdoe seu filho”! E ela ouviu o Deus dizer: “Assim será”!

A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].

Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm

Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

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