Eles entraram na cidade. Na praça pública, uma grande multidão estava assistindo à apresentação de um grupo de bailarinos. A filha do líder estava atraindo atenção particular. Tal graça e beleza raramente havia sido vista e, sempre que ela aparecia, aqueles que não eram senhores de suas paixões ardiam com o desejo de possuí-la. Seu nome era Kuvalaya.
Ela tinha acabado de se apresentar. Olhos ardentes ainda estavam fixados nela. Ela era consciente de seu poder e, cheia de orgulho e audácia, ela gritou para a multidão:
“Admirem-me, meus senhores! Em toda Rajagriha há alguém que possa superar Kuvalaya em beleza? Há alguém que possa mesmo igualar-se a ela?”
“Sim, mulher”, respondeu o brâmane Bharadvaja. “O que é sua beleza quando comparada à beleza do Mestre?”
“Gostaria de ver esse Mestre cuja beleza você enaltece”, disse Kuvalaya; “leve-me a ele.”
“Aqui está ele”, disse o Bem-Aventurado.
E deu um passo adiante.
A bailarina olhou para ele.
“Você é lindo!”, ela disse afinal. “Dançarei para você.”
Kuvalaya dançou. A dança começou lentamente. Ela tinha enrolado todos os seus véus sobre si, cobrindo até a sua face, e a beleza de outrora tão audaciosamente ostentada, agora era apenas uma promessa difusa. Era como a lua, escondida atrás de nuvens tênues de uma visão noturna. Uma nuvem se desvaneceu; um raio fraco escapou através da fresta. A dança tornou-se mais rápida; um a um os véus despencavam, e a rainha das estrelas apareceu um toda a sua glória. Mais e mais rápido ela girava; de repente, uma luz ofuscante brilhou em seus olhos, e ela parou. Estava nua. A multidão ofegante avançou.
“Mulher infeliz!”, disse o Buda.
Ele a olhou fixamente. Diante disso, as bochechas de Kuvalaya tornaram-se cavadas, sua testa enrugou e seus olhos perderam o brilho. Apenas alguns poucos dentes feios permaneceram em sua boca; apenas alguns fios finos de cabelo grisalho ainda pendiam da sua cabeça, e ela estava curvada pela idade. O Bem-Aventurado puniu-a assim como puniu as filhas de Mara quando elas tentaram seduzi-lo; ele transformou a bela bailarina numa mulher velha e decrépita.
Ela suspirou:
“Mestre, sei o grande erro que cometi. Uma beleza efêmera me tornou vaidosa. Você ensinou-me uma amarga lição, mas sinto que algum dia serei feliz por tê-la recebido. Permita-me aprender as verdades sagradas; que então eu possa me livrar para sempre desse corpo que, mesmo quando era um deleite para os homens, nada mais era que um cadáver repugnante.”
O Mestre concedeu o pedido de Kuvalaya, e ela tornou-se uma das mais devotas fiéis seguidoras do Buda.
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm