A Razão, do Abrangente ao Restrito

“No reinado de um sábio, a razão irá prevalecer. Mas, quando reina um soberano tolo, a falta de razão terá supremacia”. (Nitiren Daishonin em “A Abertura dos Olhos”) (6).

“Numa democracia, o soberano não é ninguém senão o povo, a coletividade”(8). Do abrangente ao restrito, aquilo que sabemos ou pensamos (sujeito), e aquilo que vemos (objeto), não difere daquilo que somos (ação). Ainda que o aspecto individual de uma única pessoa revele inequivocamente quem a governa no âmbito restrito; o aspecto de uma coletividade, de uma sociedade e de uma nação não revelará quem a governa, mas quem nela habita, no sentido abrangente.

Emprestando mais um termo da Física, a democracia é uma proposta de superestrutura social, onde cada indivíduo é da mesma qualidade do todo, onde cada indivíduo é instrumento da vontade dos demais e, em nome dessa vontade, aciona uma prensa, avia um receituário ou empunha a caneta dos poderes estabelecidos. Todavia, e como numa religião, “por mais que uma doutrina possa parecer formidável como argumento, se não for possível pô-la em prática, torna-se um ensino vazio”(4). Uma democracia torna-se uma doutrina vazia quando não posta em prática. Torna-se vazia e, como ali cada indivíduo é da mesma qualidade do todo, todos se esvaziam da própria responsabilidade, transferindo-a para outrem. Torna-se um verdadeiro “salve-se quem puder” ou “primeiro eu”.

Qual a evidência da perda da razão em uma democracia?

Certamente, o aparecimento de líderes que não advogam pelas maiorias. Este é o primeiro sinal e o mais grave indicador de uma profunda ruptura na base democrática. Segue-se, como conseqüência dessa ruptura, a formação de grupos dominantes os quais, seja pelo poder econômico ou pelo poder político, tentam impedir a alternância no poder, negando alternativas à massa votante. Essa degenerescência surge primeiramente nos pequenos organismos (no restrito) para, depois, refletir-se nas grandes instituições (no abrangente). Um dos mais consagrados engodos (adulação astuciosa segundo o dicionário Aurélio) da organização social democrática é o da minoria oprimida. A opressão só se instala com o consentimento das minorias, por omissão ou impotência; ou com o consentimento de todos nós, indivíduos, sós, minoria absoluta. Segue-se o descrédito nas instituições, o voto útil. Já que não podemos evitar, locupletemo-nos. Segue-se a desagregação social. Ninguém faz mais nada por ninguém. Segue-se a perda da identidade do ser social, a perda da integridade individual e floresce a corrupção em todos os segmentos da sociedade. Em sucessão, surgirão os desastres e as calamidades.

Um líder que quando se pronuncia, em redes televisivas e radiodifusivas, todos desligam os seus aparelhos: esse é o Executivo. Câmaras municipais, distritais, estaduais e federais omissas, a defender seus próprios interesses, a legislar em causa própria: esse é o Legislativo. Juízes milionários que tergiversam o corpo das leis, atuando nos seus interstícios, subvertendo as verdadeiras intenções das leis e tornando a subjetiva interpretação mais forte que a própria lei: esse é o Judiciário. Numa passagem do Sutra do Nirvana o Buda Sakyamuni afirma: “Confiar na Lei, e não na pessoa” (6). Segue-se então a impunidade e a máxima de uma sociedade desagregada: “o crime compensa”.

Antes de isso tudo acontecer, todavia, os sábios e protetores da nação ter-se-ão retirado e, desta sorte, tudo se passa sem que se esboce reação, qualquer que seja. A própria doença começa a dosar as suas investidas contra o organismo doentio que não reage, apenas para que esse organismo não morra; pois, uma vez morto o organismo, morta estará a doença.

Qual a evidência da retirada dos sábios e protetores da nação?

A fome, o desemprego, os conflitos sociais, a violência, as contendas judiciais sem fim, o escárnio da ignorância, doenças desconhecidas, epidemias, ventos fortes, enchentes, incêndios, ingestão de poderes externos nos assuntos da nação.

Isso tudo poderia ser uma evidência objetiva, mas qual a evidência lógica da retirada dos sábios e protetores da nação afinal?

Somente os ignorantes podem valer-se da miséria como plataforma política. Um mal que aniquila e mata o organismo no qual se instala e do qual se nutre, é o pior dos males. “Se alguém estivesse para matar nossos pais e então tentasse oferecer-nos um presente, poderíamos aceitá-lo? Nem Budas, nem deuses e nem os sábios aceitariam oferecimentos daqueles que caluniam a Lei” (Nitiren Daishonin em “Carta a Niike”) (11).

Mas, a escuridão não possui a propriedade da Lei, isto é, a capacidade de propagar-se. Este é o Paralelo Perfeito. Ela, a escuridão, só se manifesta na ausência da Lei. A luz, entretanto, pode debelar a mais profunda escuridão. Isto aponta para a necessidade de restabelecer a Verdade e iluminar a realidade da nação em todos os seus aspectos.

Basta! Do restrito ao abrangente, como reconduzir as pessoas e a nação ao caminho da razão?

Conforme Nitiren Daishonin observa em sua escritura intitulada “A Abertura dos Olhos”, já na época do Confucionismo na antiga China considerava-se: “Se uma pessoa leva a ordem à sua família, cumpre as exigências do amor filial e pratica as cinco virtudes constantes da benevolência, retidão, decoro, sabedoria e boa fé, os seus amigos a respeitarão e seu nome será conhecido em todo o país. Se há um sábio governante no trono, ele convidará tal pessoa para ser seu ministro ou conselheiro, ou pode inclusive tornar-lhe chefe da nação. O céu irá proteger e cuidar de tal pessoa”(6). Tais atributos ainda não são tudo, mas essenciais para tornar a pessoa um receptáculo da Grande Lei e, assim, torná-la uma propagadora da mesma. Em outro caso, na ausência de tais atributos, pode-se chamar essa pessoa de devoradora da Lei.

Que Lei é esta?

Somos Nós.

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Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

3 comments

  1. Gostaria de saber se o que aqui encontra-se escrito, pode ser encontrado em um livro, as comparações e elucidações deste site são muito pertinentes, se estiverem em um livro como posso adquiri-lo? estou em meu e-mail.

    Muito Grato mesmo.

  2. Prezado ACM,

    Essa coletânea de escritos, da minha lavra, traz reflexões acerca dos paralelos entre as leis da Física e do Budismo (aqui como sabedoria subjetiva); e o que vemos no nosso país e no mundo contemporâneo (aqui como realidade objetiva). Constituem um livro em projeto chamado “O Mais Profundo Eu Somos Nós”. Neste blog, você poderá selecionar clicando na categoria que tem esse mesmo nome, O Mais Profundo Eu Somos Nós, e ver essa coletânea. Espero um dia poder publicá-la na forma de um livro.

    Obrigado.

    Marcos Ubirajara.

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