A Doutrina de Arata Kalama

Siddhartha entrou no eremitério onde o sagrado Arata Kalama ensinava a doutrina da renúncia a um grande número de discípulos. Onde quer que ele (Siddhartha) aparecesse, todos o admiravam; onde quer que ele fosse, lá resplandecia uma luz maravilhosa. Os monges ouviam com alegria quando ele falava, pois que sua voz era doce e poderosa, e ele era persuasivo. Um dia, Arata Kalama disse-lhe:

“Você compreende a lei tão bem quanto a compreendo; tudo o que conheço, você conhece. A partir de agora, se desejar, compartilharemos o trabalho; ambos ensinaremos os discípulos.”

O herói perguntou-se: “A lei que Arata ensina é a verdadeira lei? Ela conduz à libertação?”

Ele pensou: “Arata e seus discípulos levam uma vida de grande austeridade. Eles recusam alimentos preparados pelos humanos; comem somente frutas, folhas e raízes; bebem somente água. Eles são mais abstêmios do que os pássaros que bicam as sementes, do que o cervo que mordisca a grama, do que as serpentes que inalam (inspiram) a brisa. Quando eles dormem, é sob um dossel de ramos; o calor do sol castiga-lhes; expõem seus corpos ao vento cortante; ferem seus pés e joelhos sobre os cascalhos da estrada. Para eles, a virtude vem somente com sofrimento. E pensam que são felizes, por acreditarem que ao praticar a perfeita austeridade, ganharão o direito de ascender ao céu! Sim, eles ascenderão ao céu! Mas a raça humana continuará a sofrer da velhice e da morte! Levar uma vida de austeridade e ser indiferente ao constante mal do nascimento e da morte é simplesmente acrescentar sofrimento ao sofrimento. Os humanos tremem na presença da morte, e ainda assim fazem tudo para renascer; assim, seguem mergulhando mais e mais fundo no abismo (cova) que eles tanto temem. Se mortificar a carne é um ato de piedade, então deve ser ímpio condescender com a sensualidade, no entanto, mortificações neste mundo são seguidas por gratificações no próximo (mundo), e assim a retribuição da piedade é a impiedade. Se, para ser santificado, é suficiente simplesmente ser abstêmio, então os cervos seriam santos, e aqueles humanos que perderam a casta (rebaixados) também seriam santos, por uma má sorte ter tornado inatingível o prazer para eles. Mas, se dirá: é a intenção de sofrer que desenvolve a virtude religiosa. A intenção! Podemos pretender gratificar nossos sentidos tanto quanto podemos pretender sofrer, e se a intenção de gratificar nossos sentidos não vale nada, por que a intenção de sofrer teria qualquer valor?”

Assim ele ponderou no eremitério do Arata Kalama. Ele viu a fatuidade da doutrina que o mestre estava a ensinar, e disse-lhe:

“Não ensinarei sua doutrina, Arata. Quem a conhece não encontrará a libertação. Deixarei seu eremitério, e buscarei a regra à qual devemos nos submeter antes do que possamos fazer com o sofrimento.”

E o herói partiu para o país de Magadha, e lá, solitário e absorvido em meditação, habitou a encosta de uma montanha, próximo à cidade de Rajagriha.

Torre da Paz Mundial em Rajagriha
Torre da Paz Mundial em Rajagriha, construída pela Sangha Budista do Japão. Click na imagem para site de Origem

A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].

Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm

Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

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