
O Mestre chegou à cidade de Kausambi, e lá, num primeiro momento, ele estava muito feliz. Os habitantes ansiosamente ouviam as suas palavras, e muitos deles tornaram-se monges. O Rei Udayana estava entre os crentes, e permitiu ao seu filho Rashtrapala entrar para a comunidade.
No entanto, foi em Kausambi que o Mestre deparou-se com uma das suas grandes tristezas. Um monge, certo dia, foi repreendido por cometer algumas ofensas menores. Ele não admitia estar errado; e por isso foi punido. Ele se recusou a submeter-se à punição e, como ele era um homem amigável, de grande inteligência e aprendizado, muitos tomaram o seu partido. Em vão, os outros rogaram-lhe para retomar o caminho correto.
“Não assuma esse ar presunçoso”, diziam-lhe; “não se considere incapaz (isento) de cometer erros. Ouça o nosso sábio conselho. Dirija-se aos outros monges como deveriam ser abordados aqueles que professam uma fé que também é sua; e eles se dirigirão a você como deveria ser abordado aquele que professa uma fé que também é deles. A comunidade crescerá, a comunidade florescerá, somente se os monges se aconselharem uns aos outros.”
“Vocês não têm que dizer-me o que é certo ou errado”, ele respondeu, “parem de reprovar-me.”
“Não diga isso. Suas palavras são ofensivas à lei. Você está desafiando a disciplina; você está semeando a discórdia na comunidade. Venha, corrija o seu caminho. Viva em paz com a comunidade. Evite essas brigas, e seja fiel à lei.”
Foi inútil. Então, eles decidiram expulsar o rebelde, mas, novamente, ele recusou-se a obedecer. Ele permaneceria na comunidade: uma vez que ele era inocente (pensava), não havia necessidade de submeter-se a uma punição injusta.
O Mestre finalmente interveio. Ele tentou pacificar os monges; insistiu com eles para esquecerem as suas queixas e para unirem-se, como antes, no desempenho das suas funções sagradas, mas ninguém lhe deu atenção. E, certo dia, um monge ainda teve a audácia de dizer-lhe:
“Cale-se, oh Mestre; não nos incomode com as suas falácias. Você chegou ao conhecimento da lei; medite sobre ela. Você vai achar as suas meditações muito agradáveis. Quanto a nós, saberemos para onde ir; nossas brigas não nos impedirão de encontrar o caminho. Medite, e fique quieto.”
O Mestre não enraiveceu. Tentou falar, mas era impossível. Ele viu então que nunca convenceria os monges de Kausambi; eles pareciam estar possuídos por alguma loucura súbita. O Mestre decidiu abandoná-los, mas primeiro disse-lhes:
“Feliz é aquele que tem um amigo fiel; feliz é aquele que tem um amigo discernente. Que obstáculos não poderiam transpor dois sábios e virtuosos amigos? Mas aquele que não tem um amigo fiel se assemelha a um rei sem reinado: ele deve vaguear na solidão, como o elefante na selva. No entanto, é melhor viajar solitário do que na companhia de um tolo. O homem sábio deve seguir um caminho solitário; ele deve evitar o mal e deve preservar a sua serenidade, como o elefante na selva.”
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm