Todos esses ensinamentos são para promover a conversão de Bodhisattvas. Todavia, Shariputra, farei agora uso de uma parábola com o intuito de esclarecer o princípio, para que todos aqueles que são sábios adquiram compreensão através da parábola”.
“Shariputra, suponha que num país, numa cidade, ou num vilarejo, exista um homem já avançado na idade e muito rico, de ilimitados bens e fortuna, possuindo muitas terras, casas e empregados”.
“Sua casa é ampla e espaçosa, tendo somente uma porta, mas repleta de muitas pessoas, talvez cem, duzentas ou quinhentas delas habitando ali”.
“Seus salões e quartos estão ruindo de velhos; suas paredes estão cedendo. Os pilares estão podres em suas bases; as vigas e travessas estão caindo perigosamente”.
“Subitamente, através da casa, um fogo se irrompe, deixando a casa em chamas”.
“Os filhos daquele velho homem, dez, vinte, talvez trinta deles estejam dentro da casa”.
“O velho homem, vendo o fogo subir pelos quatro cantos, ficou alarmado e fez a seguinte reflexão: ‘Embora eu tenha sido ágil o bastante para escapar em segurança através desta porta em chamas, todos os meus filhos permanecem dentro da casa ardente, felizes e apegados aos seus brinquedos, distraídos, desconhecendo essa situação, não alarmados e sem medo. O fogo os encurralará e o tormento os afligirá, mas em suas mentes eles não pensam nisto e nem têm qualquer intenção de escapar’”.
“Shariputra, o velho homem então refletiu: ‘Tenho corpo e braços fortes. Posso envolvê-los num pano, protegê-los num malote ou caixa e retirá-los da casa’. Ele refletiu ainda: ‘Esta casa possui somente uma porta estreita e pequena[1]. Meus filhos são jovens, imaturos e nada sabem ainda. Apegados ao seu lugar de diversão, eles podem cair e serem consumidos pelo fogo. Devo falar-lhes a respeito deste temeroso assunto, que a casa pegou fogo e eles devem apressar-se em sair para não serem queimados’. Pensando assim, ele falou aos seus filhos, dizendo: ‘Saiam, todos vocês, rapidamente’! Embora o pai, em sua compaixão, buscasse induzi-los com boas palavras, todos os filhos permaneciam ainda alegremente apegados aos seus brinquedos e jogos, e recusavam-se a compreendê-lo. Eles não estavam assustados ou temerosos e não tinham a mais leve intenção de deixar a casa. E o que é mais, eles não sabiam o que significava ‘fogo’, o que significava ‘casa’ ou o que significava ‘estar perdido’. Eles meramente corriam de um lado para outro no jogo, olhando para o seu pai”.
[1] Esta porta estreita é a via do Bodhisattva ou Veículo Único. A ´casa´ é o mundo tríplice (o mundo da matéria, do espírito e do desejo); o ´fogo´ tem seu análogo na impermanência de todos os fenômenos, que tudo parece consumir; ´estar perdido´ significa estar iludido com as muitas sensações deste mundo: posse, poder e prazeres em geral ligados aos sentidos. Veremos mais adiante que essa analogia também é perfeita se compreendermos ´casa´ como sendo nosso próprio corpo.
Excerto do CAP. 03 – A Parábola (da Casa em Chamas), pág. 72.