O Buda e o Pastor

Um pastor estava cruzando o campo. Ele tinha a serenidade de um homem que está realizando tranquilamente um trabalho com alegria.

“Quem é você, pastor?”, o Mestre indagou-lhe.

“Meu nome é Dhaniya”, respondeu o pastor.

“Para onde vai?”, perguntou o Mestre.

“Estou indo para casa, para minha esposa e filhos.”

“Você parece conhecer a pura felicidade, pastor?”

“Eu tenho meu arroz cozido, tenho minhas vacas ordenhadas”, disse o pastor Dhaniya; “eu vivo com a minha família às margens do rio; minha casa é bem coberta, meu fogo está sempre aceso; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Estou livre da ira, estou livre da obstinação”, disse o Mestre; “eu espero pela noite às margens do rio, minha casa não tem cobertura, o fogo das paixões está extinto em meu ser; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“As moscas varejeiras nunca atormentam o meu rebanho”, disse o pastor Dhaniya; “minhas vacas pastam em prados verdejantes; elas podem suportar a chuva que vem; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Eu construi uma jangada resistente, eu zarpei para o Nirvana”, disse o Mestre; “eu cruzei a torrente das paixões e atingi as margens da santidade; não necessito mais da jangada; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Minha esposa é obediente, é casta e boa”, disse o pastor Dhaniya; “ela tem vivido comigo há muitos anos; ela é agradável e gentil, ninguém fala mal dela; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Minha mente é obediente, está livre de todos os laços”, disse o Mestre; “eu a tenho domado esses anos todos; é tranquila e dócil, nenhuma maldade restou em mim; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Eu mesmo pago aos meus criados o seu salário”, disse o pastor Dhaniya; “minhas crianças recebem alimentos saudáveis em minha mesa; ninguém jamais tentou falar mal deles; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Não sou criado de ninguém”, disse o Mestre; “com aquilo que eu ganho, eu viajo o mundo todo; não tenho a necessidade de um criado para mim; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Eu tenho vacas, eu tenho bezerros, eu tenho novilhos”, disse o pastor Dhaniya; “e tenho um cão que é senhor do meu rebanho; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Eu não tenho vacas, nem bezerros, e nem novilhos”, disse o Mestre; “e não tenho cão para ficar de guarda; então, caia se quiser, ooh chuva do céu!”

“As estacas são cravadas fundas no chão, nada pode movê-las”, disse o pastor Dhaniya; “as cordas são novas e feitas de gramíneas fortes; as vacas nunca lhes romperão agora; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

“Como o cão que arrebentou sua corrente”, disse o Mestre, “como o elefante que quebrou suas algemas, nunca mais entrarei num útero; então, caia se quiser, oh chuva do céu!”

O pastor Dhaniya curvou-se diante do Mestre e disse:

“Agora sei quem é você, oh Bem-Aventurado; venha comigo à minha casa.”

Quando eles estavam para entrar na casa, a chuva caiu torrencialmente e cavou pequenos sulcos pelos quais a água corria sobre o chão. Quando Dhaniya ouviu a chuva, disse essas palavras:

“Em verdade, adquirimos grandes riquezas uma vez que vimos o Buda. Oh Mestre, você é nosso refúgio, você que nos olhou com os olhos da sabedoria. Seja nosso protetor, oh Santo! Somos obedientes, minha esposa e eu; se levarmos uma vida de santidade, conquistaremos o nascimento e a morte, e acabaremos com o sofrimento.”

Então uma voz foi ouvida, e Mara, o Maligno, pôs-se diante deles. Ninguém o tinha visto chegar.

“Aquele que possui filhos é feliz por ver seus filhos”, disse Mara, o Maligno; “aquele que possui vacas é feliz por ver suas vacas; feliz é o homem que tem substância, e aquele que não tem substância não tem felicidade.”

“Aquele que tem filhos está preocupado ao ver seus filhos”, disse o Mestre; “aquele que tem vacas está preocupado ao ver suas vacas; preocupado é o homem que tem substância, e aquele que não tem substância não tem preocupações (aflições).”

Mas Mara havia fugido. Dhaniya e sua esposa ficaram a ouvir o Mestre falar.

A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].

Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm

Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

2 comentários

  1. Tenho o pastor e tenho Buda em mim.
    Meu filho querido morreu há 10 dias atrás. Ainda novo, 46 anos de idade.
    Éramos muito unidos. Trabalhávamos juntos.
    Chorei. Pensava que não iria parar de chorar.
    Foram alguns minutos. Mas meu corpo ficou trêmulo.
    Isto era o pastor em mim. Demorei 3 dias para entender.

    Respirei fundo. Na barriga. Mais de uma vez.
    Entreguei meus pensamentos e julgamentos para quem nos fez,
    para o ser que me dirige e atua sobre mim.
    E atuou sobre meu filho.
    O ser que pela beleza que soube criar neste nosso mundo temporário,
    me mostrou que com certeza, sabe fazer o certo.
    E em hora certeira, levou meu maior amigo e filho e me deixou aqui.

    Firmei estes pensamentos em minha mente.
    Consegui me separar do pastor. Das minhas necessidades terrenas.
    E como por milagre elas foram se resolvendo.
    A mente abriu-se para os amigos que estavam enevoados.
    Abriu-se para as possibilidades.
    Recebi a visão de meu filho conversando comigo, para dizer que estava bem. Pude dizer a ele que eu também.

    Agarrei-me no Buda em mim. No Cristo em mim.No anjo, ser que me orienta que não tem nome nem face.

    Os tremores se foram. Pude viver de novo.

    1. Viva para sempre na Paz do Dharma. Você diz: “O Buda em mim…”. Cave um pouco mais, a água está próxima e encontrarás o frescor da Natureza de Buda em si.

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