
Bravamente, Kanthaka o carregou a uma grande distância. Quando o sol finalmente olhou por entre as pálpebras da noite, o mais nobre entre os humanos viu que ele estava próximo a uma floresta onde habitavam muitos eremitas devotos. Cervos estavam dormindo sob as árvores, e pássaros esvoaçavam destemidamente. Siddhartha sentiu-se descansado, e pensou que não necessitava prosseguir. Ele desmontou e gentilmente acariciou seu cavalo. Havia felicidade em seu olhar e em sua voz quando ele disse a Chandaka:
“Realmente, um cavalo tem a força e a rapidez de um Deus. E você, querido amigo, por fazer-me companhia, provou-me quão grande é sua afeição e a sua coragem. Foi um gesto nobre e muito me agrada. Aqueles que, como você mesmo, possam combinar energia e devoção são realmente raros. Você tem demonstrado que é meu amigo, e não espera qualquer recompensa de mim! No entanto, é geralmente um interesse egoísta que conduz homens juntos. Asseguro-lhe, você me fez muito feliz. Pegue seu cavalo agora e retorne para a cidade. Encontrei a floresta que estava procurando.”
O herói tirou as suas jóias e entregou-as a Chandaka.
“Pegue este colar”, disse ele, “e vá até meu pai. Diga-lhe que acredite em mim e não dê lugar à sua tristeza. Se eu adentrar um eremitério, não é porque estou carente de afeição por meus amigos ou porque meus inimigos provocam a minha ira; nem é porque busco um lugar entre os Deuses. A minha é uma razão digna: destruirei a velhice e a morte. Portanto, não entristeça, Chanda, e não permita que meu pai sinta-se infeliz. Deixei minha casa para livrar-me da infelicidade. A infelicidade nasce do desejo; digno de piedade é o homem que é um escravo das suas paixões. Quando um homem morre, há sempre herdeiros para a sua fortuna, mas herdeiros para as suas virtudes são raramente encontrados, nunca são encontrados. Se o meu pai disser-lhe: “Ele partiu para a floresta antes do tempo determinado”, você responderá que a vida é tão incerta que a prática da virtude nunca é inoportuna. Diga isto ao rei, oh meu amigo, e dê o melhor de si para fazer-lhe esquecer de mim. Diga-lhe que não possuo virtude nem mérito; pois um homem sem virtude nunca é amado, e aquele que nunca é amado nunca é lamentado.”
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm