
Ele chamou o seu escudeiro, o rápido Chandaka.
“Traga-me o meu cavalo Kanthaka, imediatamente”, disse ele. “Permanecerei fora, para encontrar a eterna bem-aventurança. Sinto a profunda alegria, a força indomável que agora sustenta a minha vontade, a segurança de que tenho um protetor muito embora esteja sozinho, todas essas coisas me dizem que estou prestes a atingir o meu objetivo. Chegou a hora; estou no caminho para a libertação.”
Chandaka tinha conhecimento das ordens do rei, mas sentiu algum poder superior compelindo-o a desobedecer. Ele foi buscar o cavalo.
Kanthaka era um animal esplêndido; era forte e dócil. Siddhartha acariciou-lhe calmamente, e então disse-lhe numa voz terna:
“Muitas vezes, oh nobre animal, meu pai montou-lhe na batalha e derrotou os seus poderosos inimigos. Hoje, irei à busca da suprema bem-aventurança; empresta-me a sua ajuda, oh Kanthaka! Companheiros nas armas ou nos prazeres não são difíceis de encontrar, e quando nos propomos a adquirir riquezas, nunca carecemos de amigos (logo muitos se apresentam). Mas os companheiros e amigos nos abandonam quando é o caminho da santidade que iremos tomar. No entanto, disto estou certo: aquele que ajuda outro a cometer o bem ou o mal, compartilha daquele bem ou mal. Então saiba, oh Kanthaka, que é um impulso virtuoso que me compele. Empreste-me sua força e sua rapidez; a salvação do mundo, e a sua própria, está em jogo.”
O príncipe falou a Kanthaka como falaria a um amigo. Montou com decisão a sela, e parecia como o sol montado numa nuvem de outono.
O cavalo teve o cuidado de não fazer barulho, pois a noite era clara. Ninguém no palácio ou em Kapilavastu estava acordado. Pesadas trancas de ferro protegiam os portões da cidade, um elefante poderia levantá-las somente com grande dificuldade, mas, para permitir a passagem do príncipe, os portões abriram-se silenciosamente, de sua própria vontade.
Deixando seu pai, seu filho e sua gente, Siddhartha saiu da cidade. Não sentiu arrependimento, e numa voz firme, ele bradou:
“Até que eu veja o fim da vida e da morte, não retornarei à cidade de Kapila.”

A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm