Mas os habitantes de Jayatura ficaram muito angustiados; eles temiam uma seca em seu próprio país. Eles reclamaram ao Rei Sanjaya: “Meu senhor”, disseram, “o ato do seu filho foi repreensível. Seu elefante protegia-nos da fome. O que será de nós agora, se o céu retiver a sua chuva? Mostre-lhe impiedade, oh Rei; faça-lhe pagar por essa loucura com sua própria vida”. O rei chorou. Ele tentou colocá-los para fora com promessas, às quais, inicialmente, eles não ouviriam, mas finalmente cederam e exigiram que o príncipe fosse exilado em algum deserto remoto e rochoso. O rei foi obrigado a dar o seu consentimento. “Quando meu filho ouvir sobre o seu exílio”, pensou Sanjaya, “ele vai senti-lo em seu coração”. Mas este não foi o caso. Visvantara simplesmente disse: “Deixarei (Jayatura) amanhã, pai, e não levarei nenhum dos meus tesouros comigo”. E então ele foi ver Madri, sua princesa. “Madri”, disse ele, “devo deixar a cidade; meu pai exilou-me num deserto cruel, onde será difícil encontrar um meio de subsistência. Não venha comigo, oh amada; serão muito grandes as dificuldades que você terá de suportar. Você terá que deixar as crianças para trás, e eles morrerão de solidão. Fique aqui com eles; permaneça no seu trono de ouro; foi a mim que meu pai exilou, não a você”. “Meu senhor”, respondeu a princesa, “se você deixar-me para trás eu me matarei, e o crime vai bater à sua porta”. Visvantara permaneceu em silêncio. Ele olhou para Madri, e abraçou-a. “Venha”, disse ele. Madri agradeceu-lhe, e acrescentou: “levarei as crianças comigo; não posso deixá-las aqui, para morrer de solidão”. No dia seguinte, Visvantara teve sua carroça preparada; ele partiu com Madri, Jalin e Krishnajina, e como foram expulsos da cidade, o Rei Sanjaya e a Rainha Phusati choraram e soluçaram lamentavelmente.
O príncipe, sua esposa e as crianças já se encontravam longe da cidade quando viram um brâmane aproximando-se. “Viajante”, disse o brâmane, “esta é a estrada para Jayatura”? “Sim”, respondeu Visvantara, “mas por que você está indo para Jayatura”? “Venho de um país distante”, disse o brâmane. “Ouvi que lá em Jayatura vivia um príncipe generoso chamado Visvantara. Ele possuía um elefante maravilhoso que ele deu ao rei de Kalinga. Ele é muito caridoso, disseram. Quero ver esse homem bondoso; quero pedir-lhe por uma doação. Sei que ninguém jamais recorreu a ele em vão”. Visvantara disse ao brâmane: “eu sou o homem que você procura; eu sou Visvantara, fillho do Rei Sanjaya. Em razão de eu ter dado meu elefante ao rei de Kalinga, meu pai mandou-me para o exílio. O que posso dar-lhe, oh brâmane”? Quando ouviu essas palavras, o brâmane lamentou amargamente. Ele disse numa voz triste: “Então eles me enganaram! Deixei minha casa, cheio de esperança e, com desaponto, devo agora retornar”! Visvantara o interpelou: “Console-se, brâmane. Você não recorreu ao Príncipe Visvantara em vão”. Ele desatrelou os cavalos e lhos deu. O brâmane agradeceu seu benfeitor e partiu. Visvantara então seguiu em seu caminho. Ele mesmo estava puxando a carroça agora. Naquele momento, ele viu um outro brâmane aproximando-se. Era um homem pequeno, frágil e velho, com cabelos brancos e dentes amarelados. “Viajante”, ele disse ao príncipe, “esta é a estrada para Jayatura”? “Sim”, respondeu o príncipe, “mas por que você está indo para Jayatura”? “O rei daquela cidade tem um filho, o Príncipe Visvantara”, disse o brâmane. “Visvantara, de acordo com as histórias que tenho ouvido, é extremamente caridoso; ele salvou o reinado de Kalinga da fome, e o que quer que seja solicitado dele nunca é recusado. Irei a Visvantara, e sei que ele não negará o meu pedido”. “Se você vai a Jayatura”, disse o príncipe, “você não verá Visvantara; seu pai o exilou num deserto”. “Ai de mim”, lamentou o brâmane. “Quem agora poderá me ajudar na minha frágil velhice? Toda a esperança que eu tinha se foi, e retornarei para minha casa tão pobre quanto quando a deixei!” Ele chorou. “Não chore”, disse Visvantara; “eu sou o homem que você procura. Você não me encontrou em vão. Madri, Jalin, Krishnajina, desçam da carroça! Ela não me pertence mais: Eu lha dei a este velho homem”. O brâmane ficou muito feliz. Os quatro exilados seguiram em seu caminho. Seguiam agora a pé, e quando as crianças estavam cansadas, Visvantara carregava Jalin, e Madri carregava Krishnajina. Alguns dias depois, eles viram um terceiro brâmane se aproximando. Ele estava indo para Jayatura para ver o Príncipe Visvantara e pedir-lhe por esmolas. O príncipe despojou-se de suas roupas, no sentido de que o brâmane não lhe deixasse de mãos vazias. Então, ele seguiu. E um quarto brâmane aproximou-se. Sua pele estava escura, seu olhar feroz e imperioso. “Diga-me”, ele disse em uma voz áspera, “esta é a estrada para Jayatura”? “Sim”, respondeu o príncipe, “e o que o leva a Jayatura”? O brâmane desejava ver Visvantara, que estava certo de dar-lhe um magnífico presente. Quando ele ouviu que estava na presença de um infeliz, um príncipe exilado, ele não chorou; em uma voz irada, ele disse, foi um caminho difícil de ser percorrido, e não deve ter sido em vão. Indubitavelmente você deve ter trazido consigo alguma jóia valiosa que você pode dar-me”. Madri estava usando um colar de ouro. Visvantara pediu-lhe o colar; ela sorriu e lho entregou, e o brâmane pegou o colar e foi-se embora. Visvantara, Madri, Jalin e Krishnajina continuaram a caminhar. Atravessaram correntezas furiosas; subiram ravinas cobertas de vegetação rasteira; viajaram através de planícies rochosas fustigadas por um sol impiedoso. Os pés de Madri estavam cortados pelas pedras; os calcanhares de Visvantara estavam gastos até os ossos, e por onde quer que passassem, deixavam uma trilha de sangue. Certo dia, Visvantara, que estava caminhando adiante, ouviu alguém chorando. Ele voltou-se para trás e viu Madri sentada no chão, lamentando seu destino. Ele ficou tomado pela angústia, e disse: “Eu insisti e implorei a você, minha amada, que não me seguisse no exílio, mas você não me ouviu. Venha, levante-se; embora seja grande o nosso cansaço, as crianças não devem sofrer por ele; não devemos mentalizar as nossas feridas”. Madri viu que seus pés estavam sangrando, e ela chorou: “Oh, quão maior é o seu sofrimento que o meu! Controlarei a minha dor”. Ela tentou levantar, mas seus membros cederam, e novamente ela caiu em prantos. “Todas as minhas forças se foram”, ela soluçou; “mesmo o amor que eu nutria por meu marido e minhas crianças não é suficiente para sustentar a minha coragem. Morrerei de fome e de sede nesta terra terrível; minhas crianças morrerão, e talvez meu bem-amado”.

A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm