A Imagem do Alazão

ORROZ

Então, diante do Tribunal da Equanimidade, depois de muito meditar, ORROZ decidiu se pronunciar, dizendo:

“Quero voltar. Deixei uma família humilde para trás e quero cuidar deles. Lá, todos sabem que eu não sou uma má pessoa, e conhecem as minhas verdadeiras intenções. Quero voltar!”, exclamou.

Ao que uma voz terna lhe respondeu:

“Oh, ORROZ, não se aflija! Aqui também o sabemos. Não apenas que você não é uma má pessoa, mas também as suas verdadeiras intenções. Conhecemos também suas melhores qualidades, suas ações meritórias, a pureza de muitos dos seus pensamentos, e tudo com muita profundidade. Não se aflija!

ORROZ, pessoas menores, destituídas de méritos, sequer adentram o recinto deste Tribunal da Equanimidade. É por essa razão que você se sente tão só”.

ORROZ prosseguiu:

“No entanto, tenho preocupações. Conheço o caminho, mas receio que ‘El Diablo’ não resista, está esgotado, não tem forças para me levar de volta”.

Então, ouviu vozes em uníssono:

“Abandone-o, ORROZ!”

“Como poderia? Esse cavalo tem sido meu companheiro nessa jornada. Tenho cuidado dele como um filho, como poderia sacrificá-lo agora? Parece não entenderem o que ‘El Diablo’ representa na minha vida”.

Ouviu, então:

“Oh ORROZ! Como poderíamos não saber? Ele, ‘El Diablo’, seu fiel alazão, representa a soberba. E você não poderia sacrificá-lo, ORROZ. Por quê? Esse cavalo é um ser não-nascido, um imortal na linguagem mundana, e é montaria de muitos outros. Procure lembrar como você o adquiriu”.

ORROZ confessou:

“Não o criei, nem o adquiri. Ele apareceu diante de mim, certo dia em minha vida, quando tudo parecia estar dando certo para mim. Mais precisamente, foi no dia em que recebi aquela nomeação. Evidente, vocês sabem qual”.

“Certo, ORROZ! Para além das outras muitas qualidades, você possui boa memória, também. Aquele cavalo não nasceu ou foi criado para você. Ele é uma imagem que surge na mente dos tolos, e que passa a controlar os seus movimentos, como uma montaria. Por essa razão, dissemos para abandoná-lo, não para sacrificá-lo. ‘El Diablo’ é uma imagem, é como uma bolha na água, uma miragem no deserto. Como poderia sacrificá-lo?”

“Então devo seguir sozinho?”, indagou ORROZ.

“Sim, sozinho! Devemos alertá-lo de que os oito ventos soprarão forte, mas não olhe para trás. O que você estará abandonando é apenas uma imagem, lembre-se, sem uma substância real. Para além do Cabo das Tormentas, e de frente para aquele país distante que fica a oeste daqui, e que se chama ‘Ingratidão’, a força dos ventos se intensificará, e será muito difícil suportá-la. Mas, siga! Você receberá toda a ajuda necessária, desde que não desista”.

Então, ORROZ se voltou para oeste e iniciou a sua jornada de volta. Sentia-se caminhar sobre areia movediça, pois a intensidade do relinchar de ‘El Diablo’ não se atenuava em sua mente. Era tão belo, tão fogoso, pensava. Mas, não olhou para trás, como lhe fora recomendado.

Ouviu uma voz acolhedora e envolvente, que ecoava em todas as direções:

“ORROZ, essa areia movediça é o apego, abandone-o por completo. Siga pela trilha à esquerda, aquela mais escarpada. Embora lhe pareça mais inóspita, por ali você se sentirá mais leve”.

“Certo!”, disse ORROZ.

 

Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

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