A Energia Nuclear e a Paz Mundial – 1a. Parte

1ª. Parte

A Energia Nuclear é, de longe, a mais cara tecnologia engendrada pela civilização. Seu custo é tão elevado que, praticamente, inviabiliza o desenvolvimento e exploração desse tipo de energia pela iniciativa privada, tornando-a de interesse e uso quase exclusivo dos “governos”.

Como sabemos, da relação custo/benefício nasce a economia de um “estado”, ou assim deveria ser qualquer que fosse a sua natureza. Para nos determos apenas nos aspectos não técnicos do problema, discutiremos, por ora, os seus desdobramentos baseados apenas nesta relação custo/benefício.

De forma bem geral, podemos dividir o custo de um empreendimento em duas grandes partes, a saber: o custo ponderável e o custo imponderável.

O custo ponderável é aquele resultante de gastos programáveis, previsíveis e mensuráveis como instalações básicas, mão de obra, equipamentos, insumos, etc. Sabe-se, a priori, o quanto se gastará para realizar o empreendimento, até com muita precisão.

O custo imponderável, entretanto, é resultante de um sistema complexo de muitas variáveis, onde se destacam:

a-) risco variável – é uma variável complexa de grandeza inversamente proporcional aos investimentos em itens de qualificação da mão de obra, controle de qualidade de materiais estruturais e equipamentos, segurança, proteção dos equipamentos e do meio-ambiente. O risco variável diminui na medida em que se extrapolam os investimentos nos itens acima mencionados. Desta relação pode-se depreender que, salvo para propósitos estritamente pacíficos, uma “pesada parcela” dos investimentos poderá ser “cortada”, viabilizando projetos baratos e irresponsáveis. Permito-me chama-los irresponsáveis porque os danos produzidos pelas radiações de alta energia podem exigir gerações (séculos) para serem “apagados”. A quem a humanidade delegaria tal responsabilidade? Ressalvando o “propósito pacífico”, cabe esclarecer que nas aplicações com este fim na medicina (diagnóstica e terapêutica), na engenharia (controle de qualidade), na tecnologia de alimentos (esterilização) dentre as mais conhecidas; são utilizadas “massas ínfimas” de materiais radioativos, de fácil confinamento e manuseio.

b-) risco inerente – é uma grandeza complexa, imponderável, que independe dos investimentos porque está associada ao erro, à falha humana e de materiais estruturais. Os materiais utilizados em estruturas nucleares são materiais “dopados”; isto é, são ligas metálicas com micro adições de materiais muito especiais cuja função é estimular a absorção dos defeitos provocados pelas radiações, conferindo ao material maior resistência ao dano. Como essas ligas são artificiais, a sua produção em escala tem o controle de qualidade feito por “amostragem”, e aqui está o risco. O mesmo pode-se afirmar com relação ao “material humano”. Quando grupos de pessoas são treinados para executar tarefas em situações de risco, podem-se esperar diferentes reações em condições extremas; é justo e compreensível. Adicionalmente, o controle de qualidade sobre seres humanos é mais difícil do que sobre os materiais; pois, a constituição dos seres humanos não pode ser “dosada” cientificamente como os materiais. Poderá no futuro?

Essas componentes ( o risco variável e o risco inerente) caracterizam-se por não permitirem uma avaliação precisa de suas implicações no investimento como um todo. Em muitos casos, são indicativas até da viabilidade ou não de um empreendimento.

No caso específico da Energia Nuclear, tanto o custo ponderável como o imponderável são elevadíssimos. Portanto, só mesmo um benefício proporcionalmente grande justificaria qualquer tentativa de retirar a Energia Nuclear do universo das investigações científicas. No recente acidente de Goiânia, um dos mais estarrecedores já ocorridos com materiais radioativos, o risco variável era inadmissivelmente alto, porquanto itens como segurança e proteção do meio-ambiente foram simplesmente negligenciados. Segurança de quem? Das instituições, dos materiais (caríssimos) ou da vida daquelas pessoas? Se isso não foi discutido a priori, o quê importa agora? Em outro caso ainda recente, o acidente de Chernobyl mostrou todo o vigor e imprevisibilidade da componente aqui chamada de risco inerente. Falhas humanas, falhas de materiais estruturais, ou ambas, levaram o núcleo do reator a uma fusão parcial, ficando este completamente fora do controle por vários dias. Até hoje, comenta-se nos meios científicos a boa sorte que tivemos, a despeito do desastre ecológico a que assistimos. Mesmo que aquele reator voltasse a operar, o que é praticamente impossível, jamais os benefícios advindos da sua utilização pacífica poderiam cobrir as enormes perdas registradas naquele acidente.

Então, por que a Energia Nuclear? Há que se temer, portanto, a sinistra associação de dois tipos de espíritos: o usurpador, representando o desafio do poder econômico; e o dominador, representando o desafio do poder da força. Essa associação se dá, invariavelmente, ao sabor dos três venenos bem conhecidos do Budismo: a avareza, a ira e a estupidez.

Percebemos assim, claramente, que o uso pacífico da Energia Nuclear parece não habitar as mesmas esferas onde giram os atuais interesses internacionais. Se, por um lado, os riscos de acidentes ou mesmo de uma guerra nuclear parecem agigantarem-se em função desses interesses; do ponto de vista humano, a expectativa de salvar mesmo que uma única vida justifica qualquer esforço no sentido de garantir os avanços da Medicina Nuclear ou mesmo da tecnologia de geração de energia elétrica por este método. Parece que caminhamos rapidamente para um impasse. Não só parece como, realmente, estamos diante de um impasse. Onde erramos? Devemos resignadamente admitir a perplexidade das últimas décadas, ou caminhar com decisão e determinação para o futuro?

A Energia Nuclear e a Paz Mundial – 2a. Parte

Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

2 comentários

  1. Realmente o ser humano parece nunca ter pensado que um acidente com energia nuclear poderia dizimar uma parcela de pessoas. Pelo pensamento budista iremos voltar, mas me assusto com esta perspectiva devido a falta de humanidade presente no capitalismo selvagem!

    1. Olá André!

      Penso que o chamado capitalismo selvagem está em seus últimos dias. Chamam isso de “crise”, devendo-se entender que tudo voltará ao “normal”, ou seja, como dantes. Não penso assim, e chamo isso que está acontecendo de “morte”. A morte de um pensar somente em si e para si, em detrimento de todos os seres, que produziu os desequilíbrios naturais em escala planetária que vemos, e os desequilíbrios sociais em escala mundial que sentimos.
      No que acredito? Acredito que na escala individual, de pessoa à pessoa, possamos iniciar uma grande mudança. Não apenas na forma de pensar ou discursar; mas na forma de agir.

      Obrigado pela visita! Volte sempre!

      Marcos Ubirajara.

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