O Bem-Aventurado ainda estava no Parque do Cervo quando um homem jovem chamado Yasas chegou. Yasas era filho de um rico mercador de Benares. Ele havia levado uma existência mundana, mas aprendera a fatuidade dessas coisas, e agora buscava a paz sagrada das florestas. O Bem-Aventurado viu Yasas; falou-lhe, e Yasas anunciou que estava pronto para trilhar o caminho da santidade.
O pai de Yasas veio para o Parque do Cervo à procura do seu filho. Ele desejava desencorajar-lhe, fazê-lo afastar-se do caminho da santidade. Mas ele ouviu as palavras do Buda; suas palavras lhe impressionaram, e ele acreditou nele (o Buda). A mãe e a esposa de Yasas também professaram a sua crença na verdade da lei, mas ao passo que Yasas juntou-se aos Monges, seu pai, sua mãe e sua esposa retornaram para suas casas em Benares.
Quatro amigos de Yasas, Vimala, Subahu, Purnajit e Gavampati, estavam brincando ante a decisão que ele havia tomado. Eles disseram:
“Deixe-nos ir ao Parque do Cervo e procuraremos por Yasas. Nós o convenceremos do seu engano, e ele retornará conosco.”
Ao entrarem na floresta, eles encontraram o Buda instruindo seus discípulos. Ele estava dizendo:
“Certa vez havia um eremita que residia numa ravina distante nas montanhas. Ele vivia miseravelmente e solitário. Suas roupas eram feitas de cascas; bebia somente água, e nada comia além de raízes e frutos silvestres. Sua única companheira era uma lebre. Essa lebre podia falar como um ser humano, e ela gostava de conversar com o eremita. Ele auferia grandes benefícios de seus ensinamentos, e esforçava-se seriamente para atingir a sabedoria. Certo ano houve uma seca terrível: as fontes da montanha secaram, e as árvores não floriram ou frutificaram. O eremita não mais encontraria alimento ou água; cansou de seu retiro nas montanhas e, um dia, ele deixou de lado o seu robe de eremita. A lebre o viu e disse: “Amigo, o que você está fazendo?” , ‘Você pode ver por si mesma’, respondeu o eremita. ‘Não tenho mais utilidade para este robe’. “O quê!”, exclamou a lebre, “você está para deixar a ravina?” ‘Sim, irei para o meio do povo. Receberei esmolas, e eles me darão alimento, não apenas raízes e frutos’. Ante essas palavras, a lebre ficou assustada; ficou como uma criança abandonada por seu pai, e chorou, “Não vá, amigo! Não me deixe só! Além disso, muitos dos que foram viver nas cidades estão arruinados! A vida solitária na floresta é a única digna de louvor”. Mas o eremita estava determinado: ele havia decidido ir, e iria. Então a lebre disse-lhe: “Você deixará as montanhas? Então vá! Mas faça-me este favor: espere mais um dia, apenas um dia. Fique aqui hoje, e amanhã você poderá fazer como desejar”. O eremita pensou: ‘Lebres são boas forrageiras; elas sempre têm provisões secretamente guardadas. Amanhã, esta (lebre) poderá trazer-me algo para comer’. Assim, ele prometeu não deixar (a ravina) até o dia seguinte, e a lebre saiu em disparada de alegria. O eremita era um daqueles que cultuavam Agni (um dos mais importantes deuses Védicos. Ele é o deus do fogo e aceitante dos sacrifícios) com grande reverência, e tinha o cuidado de manter sempre um fogo ardente na ravina. ‘Não tenho comida’, disse para si, ‘mas ao menos posso manter-me aquecido até que a lebre retorne’. Ao amanhecer do dia seguinte, a lebre reapareceu com as mãos vazias. A face do eremita não escondia o seu desapontamento. A lebre curvou-se para ele e disse: “Nós, animais, não temos nem sentido e nem juízo; perdoa-me, digno eremita, se fiz algo errado”. E subitamente ela saltou nas chamas. ‘O que você está fazendo?’ gritou o eremita. Ele saltou no fogo e resgatou a lebre. Então a lebre disse-lhe: Eu não teria que ver você falhar em seu dever, eu não teria que ver você deixar este retiro. Não há mais qualquer alimento a ser obtido. Entreguei meu corpo às chamas; pegue-o, amigo; alimente-se da minha carne e fique na ravina”. O eremita ficou profundamente comovido. E respondeu: ‘Não pegarei a estrada para a cidade; permanecerei aqui, mesmo que morra de fome’. A lebre ficou feliz; olhou para o céu e murmurou esta oração: “Indra, sempre amei a vida de solidão. Digne-se a ouvir-me, e faça a chuva cair”. Indra ouviu a oração. A chuva caiu torrencialmente, e em breve o eremita e sua amiga encontraram toda a comida que queriam na ravina.”
Após um momento de silêncio, o Bem-Aventurado acrescentou:
“Naquela ocasião, oh Monges, a lebre era eu. Quem era o eremita? Ele era um dos jovens mal-intencionados que acabaram de entrar no Parque do Cervo. Sim, você era ele, Vimala!”
Ele levantou-se de seu assento.
“Assim como eu lhe impedi de seguir o mal caminho quando eu era uma lebre vivendo na ravina, Vimala, assim lhe mostrarei o caminho para a santidade, agora que tornei-me o Buda Supremo, e seus olhos verão, seus ouvidos ouvirão. Porque você já está corado de vergonha por ter tentado impedir o seu melhor amigo de encontrar a salvação!”
Vimala caiu aos pés do Bem-Aventurado. Professou sua fé nele, e foi recebido em meio aos discípulos. Então Subahu, Purnajit e Gavampati decidiram aceitar a palavra sagrada.
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm