O Dilema da Dualidade e Caminho do Meio

Então o Buda elogiou o Bodhisattva Kashyapa: “Bem falado, bem falado, oh bom homem! Você alcançou a mais profunda e aguda das Sabedorias. Agora falarei sobre como se entra no Tathagatagarbha. Se o Eu vive, isso é o ensinamento do ‘ser’. Ele não se aparta do sofrimento. Se o Eu não existe, não poderá haver benefício, mesmo se praticarmos ações puras. Se dizemos que todas as coisas não possuem um Eu, isso nada mais é que a teoria do ‘não-ser’ [‘ucchedika-drsti’, ou seja, a visão do mundo de total negação de qualquer existência, que é a teoria do todo-vazio]. Se dizemos que o Eu existe, isso é a teoria do ‘ser-eterno’ [‘sasvata-drsti’ – uma visão errônea da vida que considera a existência como algo concreto e imutável]. Se dizemos que todas as coisas são não-eternas, isso é a visão do ‘não-ser’. Se dizemos que todas as coisas existem, isso é a visão do ‘ser-eterno’. Se dizemos que tudo é sofrimento, isso é o ‘não-ser’. Se dizemos que todas as coisas são felicidade, isso é o ‘ser eterno’. Se uma pessoa pratica a Via do ‘ser-eterno’ de todas as coisas, essa pessoa cai na heresia do ‘não-ser’. Uma pessoa que pratica a Via de acordo com a qual todas as coisas tornam-se extintas cai no ‘ser-eterno’. Isso é como a medida de um verme, que carrega suas patas traseiras adiante por ação das suas patas dianteiras.

O mesmo se passa com a pessoa que pratica o ‘ser-eterno’ e o ‘não-ser’. O ‘não-ser’ se apóia [depende do, está baseado] no ‘ser-eterno’. Em razão disto, aqueles dos outros ensinamentos que praticam o sofrimento (prática de austeridades) são chamados ‘não-bons’. Aqueles dos outros ensinamentos que praticam a felicidade são chamados ‘bons’. Aqueles dos outros ensinamentos que praticam o ‘não-Eu’ são aqueles da ilusão. Aqueles dos outros ensinamentos que praticam o ‘ser-eterno’ dizem que o Tathagata guarda (esconde) secretamente [verdades]. O assim chamado Nirvana não tem qualquer gruta ou casa para viver nela. Aqueles dos outros ensinamentos que praticam o ‘não-ser’ referem-se à propriedade; aqueles dos outros ensinamentos que praticam o ‘ser-eterno’ referem-se ao Buda, Dharma, Sangha e correta emancipação (ou seja, fazem distinção). Saiba que o Caminho do Meio do Buda nega os dois planos e fala do Dharma Verdadeiro. Mesmo os mortais comuns e os desluzidos (ignorantes) residem nele e não têm dúvidas. É como quando os fracos e os doentes tomam manteiga, e como resultado disto eles sentem leveza no espírito.

A Natureza do dual do ‘ser’ e ‘não-ser’ é indefinida. Por exemplo, as naturezas dos quatro elementos [terra, água, fogo e vento] não são as mesmas. Uma difere da outra. Um bom médico vê bem que cada uma se coloca em oposição à outra. Ele o vê mesmo através de uma fase unilateral (parcial) daquilo que acontece. Oh bom homem! O mesmo se passa com o Tathagata. Ele age como um bom médico em relação a todos os seres. Ele conhece a diferença entre a natureza interna e externa da ilusão, erradica-a, revela o fato que o Repositório Secreto do Tathagata é puro, que a Natureza-de-Buda é Eterna e imutável. Se uma pessoa diz ‘é’, ela deve estar atenta para que a sua Sabedoria não fique manchada; se uma pessoa diz ‘não-é’, isto não passa de uma falsidade. Se dizemos ‘é’, não podemos cair em contradição. Também, não se deve jogar com as palavras e disputar; somente buscar conhecer a verdadeira natureza de todas as coisas. Os mortais comuns jogam com as palavras e disputam, traindo a sua própria ignorância quanto ao repositório secreto do Tathagata. Quando vem a questão do sofrimento, o ignorante diz que o corpo é não-eterno e tudo é sofrimento. Além disso, eles não sabem que existe também a natureza da Felicidade no corpo. Se é feita alusão ao Eterno, os mortais comuns dizem que todos os corpos são não-eternos, e são como tijolos crus. Aquele com Sabedoria discrimina as coisas e não diz que tudo é não-eterno. Por que não? Porque os humanos possuem a semente da Natureza-de-Buda. Quando o não-Eu é mencionado, os mortais comuns dizem que não pode haver Eu no ensinamento Budista. Aquele que é sábio deve saber que não-Eu é uma existência temporária (um aspecto da dualidade) e não é verdade. Sabendo isso, não se deve ter qualquer dúvida. Quando o oculto Tathagatagarbha é estabelecido como sendo vazio e aquietado, os mortais comuns pensarão em cessação e extinção. Aquele que é sábio sabe que o Tathagata é Eterno e Imutável.”

Excerto do Sutra do Nirvana, CAP. 12: Sobre a Natureza do Tathagata.

Por muccamargo

Físico, Mestre em Tecnologia Nuclear USP/SP-Brasil, Consultor de Geoprocessamento, Estudioso do Budismo desde 1987.

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