No dia seguinte, Bimbisara retirou-se da cidade e chegou à montanha. Ele deixou a sua carruagem e, completamente só, caminhou em direção à árvore em cuja sombra o herói estava sentado. O rei parou próximo à árvore e, mudo com admiração, reverentemente olhou pasmado para o mendigo.
Então, curvando-se humildemente, disse:
“Eu ví você e grande é a minha alegria! Não fique aqui neste lado solitário da montanha; não durma mais sobre o chão duro. Você é belo, resplandecente em juventude; venha para a cidade. Dar-lhe-ei um palácio, e todos os seus desejos serão satisfeitos.”
“Meu senhor”, respondeu o herói, numa voz gentil, “meu senhor, você pode viver muitos anos! Desejos nada significam para mim. Levo a vida de um eremita; conheço a paz.”
“Você é jovem”, disse o rei, “você é belo, é fogoso; seja rico. Você terá as mais belas donzelas do meu reinado para servi-lo. Não vá embora; fique e seja meu companheiro.”
“Eu renunciei grandes riquezas”, disse o herói.
“Dar-lhe-ei metade do meu reinado.”
“Renunciei ao mais belo dos reinados.”
“Aqui você poderá satisfazer todos os seus desejos.”
“Conheço a fatuidade de todos os desejos. Desejos são como veneno; homens sábios desprezam-lhes. Eu os tenho descartado como se jogasse fora um punhado de palha seca. Desejos são tão efêmeros (transitórios) quanto o fruto em uma árvore, são tão instáveis quanto as nuvens no céu, são tão traiçoeiros quanto a chuva, são tão inconstantes quanto o vento! O sofrimento nasce do desejo, para que nenhum humano jamais satisfaça todos os seus desejos. Mas os que buscam a sabedoria, que ponderam a verdadeira fé, são os que encontram a paz. Quem bebe água salgada aumenta a sua sede; quem foge do desejo tem a sua sede aplacada. Não conheço mais o desejo. Eu busco a verdadeira lei.”
O rei disse:
“Grande é a sua sabedoria, oh mendigo! Qual é o seu país? Onde está seu pai? Onde está sua mãe? Qual é o seu castelo? Fale!”
“Você já ouviu falar da cidade de Kapilavastu, oh rei? É uma cidade próspera. O rei, Suddhodana, é meu pai. Deixei-o para vagar e esmolar.”
O rei respondeu:
“A boa sorte o assiste! Estou feliz agora que o vi. Entre a sua família e a minha há uma amizade de longa data. Tenha piedade de mim, e quando tiver alcançado a iluminação, digne-se a ensinar-me, oh mestre.”
Ele curvou-se três vezes, e então retornou a Rajagriha.
O herói ouviu que próximo a Rajagriha vivia um famoso eremita chamado Rudraka, filho de Rama. Esse eremita tinha muitos discípulos, os quais ele instruiu na lei. O herói foi ouvir os seus ensinamentos, mas como Arata Kalama, Rudraka nada sabia da verdadeira lei, e o herói não permaneceu.
Logo ele veio para as margens do Nairanjana. Cinco dos discípulos de Rudraka juntaram-se a ele, a saber: Kaundinya, Asvajit, Vashpa, Mahanaman e Bradrika.
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm