Devadatta estava meditando: “Siddhartha pensou me humilhar fazendo pouco da minha inteligência. Eu lhe mostrarei que ele está enganado. Minha glória sobrepujará a dele, a lamparina se tornará um sol. Mas o Rei Bimbisara é seu amigo fiel; ele o protegerá. Enquanto o rei estiver vivo, nada poderei fazer. O Príncipe Ajatasatru, por outro lado, me honra e me mantém na mais elevada estima; ele deposita confiança implícita em mim. Se ele fosse rei, eu obteria tudo que desejasse.”
Ele foi ao palácio de Ajatasatru.
“Oh, príncipe”, disse ele, “estamos vivendo numa era maligna! Aqueles que são melhor dotados para governar estão propensos a morrer sem jamais terem governado. A vida humana é algo tão breve! A longevidade do seu pai não lhe preocupa?”
Ele continuou a falar, a dar os mais maldosos conselhos ao príncipe. O príncipe era débil; escutava-lhe. Logo, ele decidiu matar o seu pai.”
Noite e dia, agora, Ajatasatru perambulava pelo palácio, à espreita por uma oportunidade para invadir os aposentos do seu pai e acabar com ele. Mas ele não poderia escapar da vigilância dos guardas. Sua inquietação intrigou-lhes, e eles disseram ao Rei Bimbisara:
“Oh Rei, seu filho Ajatasatru tem se comportado de forma estranha ultimamente. Poderia ele estar planejando uma má ação?”
“Calem-se”, respondeu o rei. “Meu filho é um homem de caráter nobre. Não lhe ocorreria cometer qualquer vileza.”
“Você deveria procurá-lo, oh Rei, e perguntar-lhe.”
“Calem-se, guardas. Não acusem meu filho levianamente.”
Os guardas continuaram a manter uma forte vigilância, e ao cabo de poucos dias, eles novamente falaram ao rei. Para convencê-los de que estavam enganados, o rei chamou Ajatasatru. O príncipe apareceu diante de seu pai. Estava tremendo.
“Meu senhor”, disse ele, “por que procurou por mim?”
“Filho”, disse Bimbisara, “meus guardas dizem que você tem se comportado de forma estranha ultimamente. Eles me dizem que você perambula através do palácio, agindo misteriosamente, e que você evita o olhar daqueles que você encontra. Filho, eles não estão mentindo?”
“Eles não estão mentindo, pai”, disse Ajatasatru.
Subitamente, o remorso tomou conta dele. Ele caiu aos pés do rei, e das profundezas da sua vergonha, ele gritou:
“Pai, eu queria matá-lo.”
Bimbisara estremeceu. Numa voz cheia de angústia, ele perguntou:
“Por que você desejaria matar-me?”
“No sentido de reinar”, respondeu Ajatasatru.
“Então reine!”, gritou o rei. “A realeza não vale a inimizade de um filho.”
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm