Ele pensou sobre as qualidades que mais sobrelevaria numa mulher. Então, no sétimo dia, ele retornou a seu pai.
“Pai”, disse ele, “aquela com a qual me casarei deverá ser uma mulher de raro mérito. Se você encontrar alguém dotada com os dons naturais que enumerarei, você poderá dá-la a mim em casamento.”
E disse:
“Aquela com a qual me casarei deverá estar na flor da juventude; aquela com a qual me casarei terá a flor da beleza; no entanto, sua juventude não a tornará vaidosa, e nem a sua beleza a tornará orgulhosa. Aquela com a qual me casarei terá a afeição de uma irmã, a ternura de uma mãe, para com todas as criaturas viventes. Ela será doce e verdadeira, e não conhecerá a inveja. Nunca, nem mesmo em seus sonhos, pensará em qualquer outro homem senão seu marido. Nunca usará linguagem arrogante; seus modos serão simples; e será tão dócil quanto uma escrava. Ela não cobiçará aquilo que pertence aos outros; não fará exigências incabíveis, e estará satisfeita com o seu quinhão. Não será inclinada aos vinhos, e doces não a tentarão. Será insensível à música e perfume; será indiferente aos jogos (peças de teatro) e festivais. Ela será gentil com os meus atendentes e suas acompanhantes. Será a primeira a levantar-se e a última a dormir. Aquela com a qual me casarei será pura no corpo, na boca, e na mente.”
E acrescentou:
“Pai, se você conhece uma donzela que possua essas qualidades, você poderá dá-la a mim em casamento.”
O rei convocou o sacerdote da família. Enumerou as qualidades que o príncipe buscava na mulher com a qual se casaria, e então ordenou:
“Vá”, disse ele, “vá, brahman. Visite todos os lares de Kapilavastu; observe as jovens donzelas e interrogue-lhes. E se você encontrar uma que possua as qualidades necessárias, traga-a para o príncipe, ainda que ela seja da mais baixa casta. Pois não é pela posição e nem riqueza que meu filho procura, mas pela virtude.”
O sacerdote vasculhou a cidade de Kapilavastu. Visitou as casas, viu as donzelas, questionou-as inteligentemente; mas não encontraria nenhuma digna do Príncipe Siddhartha. Finalmente, ele veio à casa de Dandapani, que era da família Shakya. Dandapani tinha uma filha chamada Gopa. Ao deparar-se com ela, o coração do sacerdote regozijou, por ser ela muita bela e cheia de graça. Disse-lhe algumas poucas palavras, e não teve mais dúvidas.
O sacerdote retornou ao Rei Suddhodana. “Meu senhor!”, ele exclamou, “encontrei uma donzela digna do seu filho.”
“Onde a encontrou?” indagou o rei.
“Ela é filha do Shakya, Dandapani”, respondeu o brahman.
Embora tivesse grande confiança no seu sacerdote da família, Suddhodana hesitou em convocar Gopa e Dandapani. “Mesmo os homens mais sábios podem cometer enganos”, ele pensou. “O brahman pode estar exagerando em suas qualidades. Devo submeter a filha de Dandapani a um teste adicional, e meu próprio filho a julgará.”
Ele possuía muitas jóias confeccionadas em ouro e prata, e por ordem real um arauto foi enviado pelas ruas de Kapilavastu, clamando:
“No sétimo dia a partir de hoje, o Príncipe Siddhartha, filho do Rei Suddhodana, oferecerá presentes às jovens donzelas da cidade. Assim sendo, todas as jovens donzelas podem comparecer ao palácio no sétimo dia!”
No dia anunciado, o príncipe sentou-se ao trono no grande salão do palácio. Todas as jovens donzelas da cidade estavam presentes e perfilaram-se diante dele. A cada uma ele presenteou uma jóia, mas, conforme elas se aproximavam do trono, sua beleza marcante as intimidava tanto que elas abaixavam o olhar ou, voltando suas cabeças, o desviavam para longe. Quase não tiveram tempo de receber seus presentes; algumas estavam com tanta pressa de se afastar que meramente tocaram o presente com as pontas dos seus dedos, e este caiu ao chão.
Gopa foi a última a aparecer. Ela avançou destemidamente, sem sequer fechar os olhos. Mas o príncipe já não tinha uma única jóia disponível. Gopa sorriu e disse-lhe:
“Príncipe, de que forma o ofendi?”
“Você não me ofendeu”, respondeu Siddhartha.
“Então por que você me trata com desdém?”
“Não a trato com desdém”, ele respondeu. “Você é a última, e não tenho mais jóias para lhe dar.”
Mas subitamente lembrou que sobre seu dedo ele estava usando um anel de grande valor. Ele o tirou e o entregou à jovem donzela.
Ela não pegou o anel.
Ela disse, “Príncipe, devo aceitar este anel de você?”
“Era meu”, respondeu o príncipe, “e você deve aceitá-lo.”
“Não”, disse ela, “eu não privaria você de suas jóias. Eu é que devo dar-lhe uma jóia.” E saiu.
Quando o rei soube desse incidente, ficou exultante.
“Gopa, somente, poderia enfrentar meu filho”, ele pensou; “somente ela é digna de você. Gopa, quem não aceitaria o anel que você (meu filho) tirou do seu dedo? Gopa, oh meu filho, será a sua mais bela jóia.”
E chamou o pai de Gopa ao palácio.

Fonte: Lalitavistara (Vida do Buda) em Borobudur
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm