Quando Siddharta se retirou do mundo, o Rei Suddhodana havia escolhido Nanda, um outro dos seus filhos, para sucedê-lo no trono. Nanda ficara feliz de pensar que um dia ele seria rei, e ficara também feliz com a idéia de seu casamento vindouro com a princesa Sundarika, a bela Sundarika a quem ele amava ternamente.
O Mestre temia por seu irmão; estava temeroso de que ele se perdesse no caminho do mal. Certo dia, foi a ele e disse-lhe:
“Vim a você, Nanda, porque sei que você está muito feliz, e quero ouvir de seus próprios lábios a razão para essa felicidade. Então fale, Nanda; desnude seu coração para mim.”
“Irmão”, respondeu Nanda, “Duvido que você compreenda, pois uma vez que você desprezou o poder soberano, eu e você desistimos do amor de Gopa!”
“Você espera ser rei algum dia, e esse é o porquê você está feliz, Nanda!”
“Sim. E eu estou tão feliz porque eu amo Sundarika, e porque Sundarika logo será minha noiva.”
“Pobre homem!”, lamentou o Mestre. “Como pode estar feliz, você que vive na escuridão? Você quer ver a luz? Então primeiro livre-se da felicidade: o medo nasce da felicidade, medo e sofrimento. Nem teme e nem sofre aquele que não sente mais felicidade. Livre-se do amor: o medo nasce do amor, medo e sofrimento. Nem teme e nem sofre aquele que não sente mais amor. Se você busca a felicidade no mundo, seus esforços serão em vão, o seu prazer se tornará dor; a morte está sempre presente, pronta para desabar sobre o infeliz e calar o seu riso e o seu cântico. O mundo é nada mais que chamas e fumaça, e todas as coisas no mundo sofrem pelo nascimento, pela velhice e pela morte. Desde que você lamentavelmente começou a vagar de existência para existência, você tem derramado mais lágrimas do que as águas que há nos rios ou nos mares. Você tem entristecido e tem chorado por ter sido contrariado em seus desejos, e tem chorado e entristecido quando aconteceu o que você temia. A morte da mãe, a morte do pai, a morte dos irmãos, a morte das irmãs, a morte de um filho, a morte de uma filha, oh, quantas vezes, através dos tempos, essas coisas não lhe causaram dor de cabeça? E quantas vezes você não perdeu a sua fortuna? E cada vez que você teve motivos para tristeza, você chorou, chorou e chorou, e derramou mais lágrimas do que as águas que há nos rios ou nos mares!”
Nanda, num primeiro momento, prestou pouca atenção ao que o Buda estava dizendo, mas conforme começou a ouvir, aquelas palavras tocaram-no profundamente. O Mestre continuou:
“Olhe para o mundo como uma bolha de sabão; como se fosse apenas um sonho, e a morte soberana passará por você.”
E ficou em silêncio.
“Mestre, Mestre”, clamou Nanda, “Serei seu discípulo! Leve-me com você.”
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm