Embora o Buda houvesse purificado o espírito de Ajatasatru, houve ocasiões em que o rei ainda dava lugar à ira. Certo dia, por causa de uma desavença entre um homem de Rajagriha e um outro de Cravasti, ele declarou guerra contra o Rei Prasenajit.
Ele recrutou um vasto exército. Havia infantaria e cavalaria; havia alguns montados em carros de combate, outros colocados em blindagens carregadas por elefantes, e espadas e lanças brilhavam ao sol enquanto marchavam para a batalha.
O Rei Prasenajit também reuniu suas tropas. Ele também trazia carros de combate, cavalos e elefantes, e avançou para encontrar Ajatasatru.
Foi uma batalha terrível. Durou quatro dias. No primeiro dia, Prasenajit perdeu seus elefantes; no segundo dia ele perdeu seus cavalos; no terceiro, seus carros de combate foram destruídos; e no quarto dia, seus soldados de infantaria foram mortos ou feitos prisioneiros; e o próprio Prasenajit, derrotado e em pânico, fugiu na única carruagem salva do desastre, e escapou para Cravasti.
Lá, num pequeno e sombrio salão, ele atirou-se num divã. Ficou em silêncio, preso aos seus melancólicos pensamentos. Não se mexia, parecia estar morto, exceto pelas lágrimas que escorriam pelo seu rosto.
Um homem entrou; era o mercador Anathapindika.
“Meu senhor”, disse ele, “viva longamente, e a maré da vitória poderá voltar!”
“Meus soldados estão mortos”, o rei lamentou, “todos os meus soldados estão mortos! Meus soldados! Meus soldados!”
“Não se aflija, oh Rei! Levante um outro exército.”
“Eu perdi a minha fortuna quando perdi meu exército.”
“Rei”, disse Anathapindika, “darei a você o ouro de que necessitar, e você será vitorioso.”
Prasenajit levantou-se, ficou de pé.
“Você me salvou, Anathapindika!”, ele exclamou. “Estou grato!”.
Com o ouro de Anathapindika, Prasenajit levantou uma formidável legião. E marchou contra Ajatasatru.
Quanto os dois exércitos se defrontaram, o retinir das armas aterrorizou os próprios Deuses. Prasenajit usou uma estratégia de batalha que a ele foi ensinada por homens de uma terra distante. Ele atacou rapidamente; Ajatasatru não tinha defesa. Afinal, foi derrotado e capturado.
“Mate-me!”, ele implorou a Prasenajit.
“Pouparei sua vida”, disse Prasenajit. “Eu o levarei ao Mestre Bem-Aventurado, e ele decidirá o seu destino.”
O Mestre houvera chegado recentemente ao Parque de Jeta. Prasenajit disse-lhe:
“Veja só, oh Bem-Aventurado! O Rei Ajatasatru é meu prisioneiro. Ele odeia-me, embora eu não nutra qualquer má vontade contra ele. Ele atacou-me, por algum motivo banal, e derrotou-me uma primeira vez, mas agora ele está à minha mercê. Não desejo matá-lo, oh Bem-Aventurado. Por causa de seu pai, Bimbisara, que foi meu amigo, eu gostaria de libertá-lo.”
“Então liberte-o!”, disse o Mestre. “A vitória gera o ódio; a derrota gera o sofrimento. Aqueles que são sábios renunciarão tanto à vitória quanto à derrota. Insulto nasce do insulto, e a ira da ira. Aqueles que são sábios renunciarão tanto à vitória quanto à derrota. Todo o assassino é derrubado por um assassino; todo o conquistador é derrubado por um conquistador. Aqueles que são sábios renunciarão tanto à vitória quanto à derrota.”
Na presença do Mestre, Ajatasatru prometeu ser um fiel amigo de Prasenajit.
“E”, ele acrescentou, “sejamos mais que amigos. Eu tenho um filho, como você sabe, e você tem uma filha, Kshema, que ainda é solteira. Você daria a mão de sua filha ao meu filho?”
“Assim seja”, disse Prasenajit. “E que esse feliz casamento seja o penhor da nossa feliz amizade.”
O Mestre aprovou. Os dois reis para sempre viveram em paz um com o outro, e Ajatasatru (ou Prasenajit? – N.T.) tornou-se conhecido pela sua gentileza.
A vida do Buda, tr. para o francês por A. Ferdinand Herold [1922], tr. para o inglês por Paul C. Blum [1927], rev. por Bruno Hare [2007], tr. para português brasileiro por Marcos U. C. Camargo [2011].
Fonte: Sacred-Texts em http://www.sacred-texts.com/bud/lob/index.htm