O Buda olha, pela janela, seu filho.
Eu olho, pela mesma janela, a mim.
“Da sua janela, o velho freqüentemente vigiava seu filho,
relembrando que ele era tolo,
mesquinho e comprazia-se em trabalho servil.
Então o velho vestiu um robe sujo e surrado,
e segurando uma pá de estrume,
foi para onde seu filho estava.
Habilmente aproximando-se dele,
disse-lhe: ‘trabalhe com diligência[1],
porque aumentarei o seu salário,
dar-lhe-ei óleo para os pés,
abastecer-lhe-ei de comida e bebida,
e dar-lhe-ei uma quente e confortável cama’.
Então ele falou rispidamente, dizendo:
‘Você deve trabalhar duro’!
E num tom mais gentil, acrescentou:
‘Você é como meu próprio filho’.
O velho, da sua janela,
eventualmente seguia-o indo e vindo.
Por um período de vinte anos,
ele foi pondo-o a par dos negócios da casa.
Mostrou-lhe seu ouro, prata,
pérolas reais e cristais.
A receita e a despesa de todas essas coisas,
ele foi dando-lhe conhecimento.
Ainda assim o filho vivia para fora dos portões,
residindo numa choupana e meditando sobre sua pobreza:
‘Nenhuma dessas coisas me pertence’.
O pai sabia que o pensamento do seu filho,
gradualmente, vinha se expandindo,
e desejando dar-lhe bens e fortuna,
reuniu seus auxiliares,
soberanos e grandes ministros,
Kshatriyas e magistrados,
e em meio a esta grande assembléia,
ele disse: ‘Este é meu filho.
Ele deixou-me e partiu para longe há cinqüenta anos atrás.
Já se completaram vinte anos desde que o vi retornar.
Há muito tempo, em certa cidade, perdi meu filho.
Procurando por ele em toda a parte,
cheguei a este lugar.
Tudo que possuo,
minhas casas e empregados,
todos os meus bens e fortuna,
legarei a ele para que possa usá-los como lhe aprouver’.
O filho, relembrando da sua pobreza anterior,
e de suas mesquinhas intenções,
e que agora, na presença do seu pai,
havia obtido essas preciosas jóias,
esses palácios para morar,
e todo o tipo de riquezas,
regozijou-se grandemente,
tendo ganhado o que nunca antes possuíra[2]“.
[1] O Buda utilizava-se dos meios hábeis, que são as práticas dos ensinos inferiores, para aproximar-se e encorajar seus filhos. Mas, sua verdadeira intenção é contemplá-los com o Grande Veículo, sua incomensurável fortuna, tornando-os iguais a ele nos benefícios da Lei Insuperável.
[2] O que esta parábola está a nos revelar é que ao encontrarmos o Verdadeiro Ensino, ainda não estamos prontos para “herdar” os benefícios da Grande Lei. Embriagados pelos desejos deste mundo Saha, ainda profundamente iludidos pelas sensações que ele oferece, pelas visões errôneas e pelo apego; buscamos unicamente saciar as nossas necessidades errando nos caminhos das doutrinas inferiores. Mesmo entre os chamados discípulos maiores, a observação dos preceitos e a busca do nirvana consistiam ainda numa prática orientada para si mesmos. Então o Buda, através de meios hábeis, incentiva-nos a cultivar as virtudes de um Bodhisattva. Manifestando-se a nós de diversas formas, às vezes afagando-nos, às vezes tratando-nos com extremo rigor, está sempre presente em nossas vidas, a ensinar a Grande Lei em prol dos Bodhisattvas. Não havendo nenhuma outra razão para o seu advento, sua verdadeira intenção é tornar-nos iguais a ele em seus benefícios e poderes para salvar os seres viventes e purificar as terras do Buda.
Extraído do CAP. 04: Fé e Compreensão

Foto de Marcos Ubirajara. Local: Sítio da Dôra em Abril/2007.
